sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Dissabor

Pois é, cantinho. Hoje vou me comportar como amigo ingrato. Sabe aquele que, apesar da ingratidão, a gente até fica feliz quando não aparece, porque isso é sinal de que as coisas vão indo bem? E aí, quando alguma coisa dá errado, lá vem ele ... chorar as mágoas e decepções no colo benevolente do amigo pro qual não teve muito tempo, porque estava ocupado demais em ser feliz. É por isso que eu nunca me ocupo demais com essa brincadeira de ser feliz. Tenho me ocupado em viver, triste ou feliz, amando as pessoas que me estendem suas mãos dia após dia, e pra quem eu estendo as minhas até debaixo de tempestade. Mas, hei de confessar: a dor é muito mais inspiradora que a alegria. Porque a alegria a gente quer reter, conter, amarrar dentro da gente, não soltar de jeito nenhum, não dar chance pra ela escapar. Então, nos encolhemos sobre ela e a protegemos. Mas, nem toda proteção e todo cuidado do mundo podem mantê-la, como se fosse indelével. A dor, ao contrário, a gente precisa expelir, expulsar, vomitar, pôr pra fora das nossas vísceras (que é onde dói mais; nesse limbo que não se sabe bem localizar). E assim, a gente procura todos os meios por onde se possa fazer esse expurgo. Chora, grita, incompreende, escreve. Nessa minha alegria interrompida, fico feliz, pelo menos, em poder voltar a este canto. Em poder ver as palavras correndo entre os meus dedos, numa fluidez que há tempos não acontecia. Em pensar que eu cogitei não voltar mais aqui, eliminar tudo que me lembrasse a alegria que me foi roubada ... Perdão! Quanta ingratidão a minha! Mais do que poder despejar meu amargor aqui, só mesmo um consolo indescritível: a amiga que chora comigo a minha trsiteza, que não se conforma, que sente a revolta que se sente, quando ferem um irmão da gente. Afinal, uma esperança. A certeza de que alguém nesse mundo faria o que fosse pra não me ver sofrer. Hoje eu tenho certeza de que as dores têm gostos. É assim que as distingüimos. De acordo com a intensidade, nosso paladar percebe sabores mais ou menos amargos, mais ou menos azedos; todos eles desagradáveis. Esse gosto que está na minha boca, hoje, eu ainda não havia experimentado. Não sei defini-lo, nem se é o pior que eu já senti. Acho que é, sim, o mais desconhecido, o mais inesperado. Os outros já me eram familiares.

A graça da vida é saber que o fel vai embora. E assim, a gente libera o paladar pra voltar a sentir o sabor do açúcar e do sal, do doce e do acre. Alternadamente. Como deve ser.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O melhor lugar é onde estamos nós

Se fosse por mim
Eu ficava
Mas vê como tudo lá fora mudou
O tempo passou
Feito um louco
Quebrando as vidraças
E a gente ficou
Aqui, sem ter nem pra onde ir,
Por medo ou preguiça
Aqui, ilhados por nós
Sequer rastreados por nenhum radar
Aqui parecia ser o melhor lugar

Quem disse que a gente precisa
Perder um ao outro pra se encontrar
Se nada nos prende ao passado
Não é o futuro que vai separar

Enfim
Encosta teu barco em mim
Que o sol já se pôs
A sós
O mundo termina
Na fina fronteira dos nossos lençóis
Em nós
Espalham-se os laços
Desfazem-se os nós

Sonhamos paisagens, compramos passagem
E nunca voamos pra lá
Enfim
Passeia tua boca em mim
Até me calar
Aqui ainda parece o melhor lugar

(Melhor Lugar - Jorge Vercilo)

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Instantes

Surpreendo-me por surpreender-me com coisas tão banais. Ontem, depois da chuva, formou-se um tapete de flores amarelas sobre o chão. Parecia um manto dourado, um caminho pra uma paisagem iluminada. Entrei no carro e fui embora. Trânsito, chuva, medo, finalmente em casa. Por isso é preciso parar, um minuto que seja, e contemplar essas brechas de harmonia, momentos de poesia cotidiana. E, se possível , regar a alma e trazê-las pra dentro de nós. Isso daria um haicai, se eu tivesse aprendido a fazer economia.

*

Hoje de manhã, me lembrei de como tudo começou. E sempre que me lembro busco um outro ângulo, porque aconteceu de várias formas diferentes. Enquanto eu olhava pra frente, preocupada com o estreitamento da via, ou com aquela situação de estar tão próxima de um quase desconhecido, você beijou o meu rosto. Assim, sem que fosse um cumprimento, uma despedida ... apenas encostou seus lábios e beijou. Quando eu virei, sem saber o que dizer, timidamente tentando sorrir, você disse: "Obrigado!". Eu ainda quis saber por quê. "Por você estar aqui. É bom conhecer as pessoas". Eu ainda demorei a entender. Ainda bem que os seus sentidos foram mais longe. É bom conhecer pessoas. É bom o amor acontecer.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Filosofia leguminosa

Hoje pela manhã, o Sr. Raji ensinava como se deve escolher berinjelas: "elas precisam estar leves, brilhantes e macias". Fiquei pensando que tudo na vida deveria ser escolhido baseado nesses critérios. Taí: a vida precisa ser como a melhor das berinjelas.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Mais um dia frio

Hoje eu queria tirar férias de mim. Das minhas preocupações, minhas inseguranças, minhas vontades que não podem ser realizadas e até desse meu corpo que anda cansado de correr de lá pra cá, de cá pra lá, sem espaço pra uma horinha de vazio. Queria ser dona do meu tempo, sem me sentir culpada por não querer trabalhar, estudar, pensar, analisar. Queria ler poesia de Guimarães Rosa, contos de Mia Couto, abraçada por uma rede ensolarada. Não pensar em relógio, celular, em não chegar atrasada no trabalho, ou chegar rápido em casa pra poder dormir meia hora a mais. Não ter que falar com os amigos entre um farol fechado e outro, ou enquanto corro pela avenida, antes de engolir o almoço. Queria diminuir distâncias pra poder passar uma quinta-feira inteira nos braços do meu amor. Sem msn, SMS, DDD e todas essas siglas que teimam em me lembrar que eu não vou me curar da ressaca deste inverno na sede dos seus beijos. Queria comer fruta madura, perfumada, com polpa macia e casca colorida. Sentir cheirinho de neném e aliviar meus ouvidos com a música risonha de quem ainda não deu os primeiros passos.

E, por fim, deitar no colo da minha avó, ouvir aquela voz enrolada, acarinhar aquela pele tão pedinte de afagos. Mas aí, são saudades irremediáveis, dos amores insuficientes da nossa alma. Saudade que só se pode deixar doer, doer, doer, fundo, porque nunca vai cessar.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Plena e simplesmente

Para T.C.P.S.

Sou sua luz
Sou sua cruz
Sou sua flor
Sou sua jura
Sou sua cura
Pro mal do amor
Sou sua meia
Sou sua sereia
Cheia de sol
Sou sua lua
Sua carne crua
Sobre o lençol
Sou sua Amélia
Sou sua Ofélia
Sou sua foz
Sou sua fonte
Sou sua ponte
pro além de nós
Sou sua chita
Sua criptonita
Sou sua Lois
Sou sua jóia
Sou sua nóia
Sua outra voz
Sou sua
Sou sua
Sou sua
Plenamente
Simplesmente

(Sou sua - Adriana Calcanhoto)

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Trilha para uma manhã quase ensolarada

Bom dia, tristeza
Que tarde, tristeza
Você veio hoje me ver
Já estava ficando
Até meio triste
De estar tanto tempo
Longe de você

Se chegue, tristeza
Se sente comigo
Aqui, nesta mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar

(Bom dia, tristeza - Vinícius e Adoniran)

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Machado de Assis em poucas palavras

Hoje é aniversário do centenário de morte de Machado de Assis. Quem acompanha o mundo das Letras sabe que não se fala em outra coisa, desde que o ano começou. E os clichês se repetem em tudo quanto é reportagem, afinal os comentaristas/literatos/críticos/professores já esgotaram o repertório. Professor Pasta, que sabe tudo do "bruxo do Cosme Velho", ou sobre "o negro, pobre, gago e epilético que se transformou no maior escritor de nossa literatura" (haja papagaio pra repetir isso!) deve achar graça. Eu acho! Até porque Machado foi mesmo o maior sociólogo desse país. Não dá pra entender o Brasil sem Machado (xiiiii, mas isso também é clichê!). Pra não correr risco de ficar falando bobagem, então, me lembro de duas coisas que me marcaram na obra do "mestre" (sem essa palavra não se fala em Machado). A primeira foi, durante a releitura de Dom Casmurro, descobrir que Capitu era inocente. Sim, eu descobri! Vocês ainda têm dúvidas? Capitu não traiu Bentinho (ainda que ele merecesse). O doido do Bento Santiago era completamante descontrol, tadinho! Outra coisa que me lava a alma em Machado é a ironia. Característica básica e fundamental de boa parte da narrativa de seus personagens, a ironia é que torna sua obra literatura, e não tratado de sociologia.

Essa doce melodia

Pra você,

Não suporto mais tua ausência
Já pedi a Deus paciência ...

Pra não deixar o samba morrer

Deixei passar vários assuntos que me sacudiram o espírito nas últimas semanas, como o impacto de ter assistido ao "O Ensaio sobre a Cegueira", a decepção com "Devoção" e a beleza do "Revelando São Paulo". Mas não dá pra deixar a falta de inspiração e a preguiça dominarem tanto, ao ponto de me calar diante da maravilha que é O Mistério do Samba . O documentário de Lula Buarque de Holanda, conduzido por Marisa Monte, passeia pelo bairro carioca de Osvaldo Cruz, berço da Portela, e nos leva sentidos adentro por uma viagem musical que se descobre ali, na hora exata em que a Velha Guarda da Escola abre suas portas de casas simples e suas caixas esquecidas com muitos sambas inéditos. Casquinha, Argemiro, Dona Surica, Áurea, Zeca Pagodinho e Monarco são apenas alguns dos personagens que nos emocionam. A rabugice de Dona Eunice, que diz que "esse negócio de amor vira a cabeça das pessoas" chega a ser engraçada. Argemiro canta um samba triste, triste, e alguém comenta que a história da música é de chorar. A resposta é evidente: "sem tristeza não se faz samba bonito". A voz de Marisa Monte aparece em algumas rodas de samba, acompanhada pelas pastoras da Portela, ou pelo violão de Paulinho da Viola. Que voz! Divina e graciosa! O Mistério do Samba nos dá vontade de passear pelo Rio que não é o Leblon. E de sair cantarolando as canções desses homens simples, operários da vida e do samba!



Samba
Velho amigo e companheiro
Alegria dos nossos terreiros
Há muitos anos atrás
É este o mesmo samba verdadeiro
Que partiu para o estrangeiro
E penetrou nas camadas sociais
Samba do Estácio e Ismael
De Cartola e Mestre Paulo
Bide, Mano Rubem e Noel
Estácio, Mangueira e Portela
Tijuca, Favela
Os professores do morro
Nos mesmos ideais
Fizeram a grande alegria
Dos carnavais
Foi aí que o samba evoluiu
Como representante maior
Da cultura do Brasil

(Samba, Velho Amigo - Monarco)

Florescer

Demorei pra voltar a este canto. Saí do verão mais amazônico do país e aterrissei neste demorado inverno paulistano, que não quer ceder à primavera. Tenho aguentado bem. Café expresso e cachecol. Mas meu coração tá em choque térmico. Tá pulsando cansado, nostálgico, sem entender direito esse vai-e-vem de emoções. O jeito é viver todos os invernos de uma só vez. Vou tomar chá, emprestar a alegria dos sorrisos das crianças e a melancolia de canções antigas. Vou vestir meias grossas e luvas, se for preciso. E seguir em frente. Vou abraçar todas as ausências que quiserem me fazer companhia. Vou visitar de novo as paisagens daquele deserto tão familiar. O deserto é refúgio, às vezes. Mas agora eu sei que o inverno vai passar. O amor sempre floresce, quando plantado em nós. Rego meu imenso amor com lágrimas de saudade. E adubo com a certeza de que, no frio e no calor, vale à pena esperar pelas flores.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Partida

O que será ser só
Quando outro dia amanhecer
Será recomeçar
Será ser livre sem querer
O que será ser moça
E ter vergonha de viver

Ter corpo pra dançar
E não ter onde me esconder
Tentar cobrir meus olhos
Pra minh'alma ninguém ver
Eu toda a minha vida
Soube só lhe pertencer

O que será ser sua sem você
Como será ser nua em noite de luar
Ser aluada, louca
Até você voltar
Pra quê

O que será ser só
Quando outro dia amanhecer
Será recomeçar
Será ser livre sem querer
Quem vai secar meu pranto
Eu gosto tanto de você

(Abandono - Edu e Chico)

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Chegou!

Vai minha tristeza
E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Porque não posso mais sofrer
Chega de saudade
A realidade é que sem ela
Não há paz
Não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim
Não sai de mim
Não sai
Mas, se ela voltar
Se ela voltar que coisa linda!
Que coisa louca!
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos
Que eu darei na sua boca
Dentro dos meus braços, os abraços
Hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calada assim,
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio
De viver longe de mim
Não quero mais esse negócio
De você viver assim
Vamos deixar esse negócio
De você viver sem mim...

Tom Jobim - Chega de Saudade

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Pega aí!

Para T.C.P.S.

Chega de agonia. Não há galho de goiabeira (nem de castanheira, pitangueira ou sumaumeira) que me impeçam de te namorar. Amarrei meu coração numa pedra e mandei pelo ar. Nenhuma chance dele se enroscar. Mas ainda leva uns três dias pra te alcançar ...

Havia um muro alto entre nossas casas.
Difícil de mandar recado para ela.
Não havia e-mail.
O pai era uma onça.
A gente amarrava o bilhete numa pedra presa porum cordão
E pinchava a pedra no quintal da casa dela.
Se a namorada respondesse pela mesma pedra
Era uma glória!
Mas por vezes o bilhete enganchava nos galhos da goiabeira
E então era agonia.
No tempo do onça era assim.

(Manoel de Barros - A namorada)

Um dia comum

A saudade atropelou a ansiedade, que atropelou a si mesma. E assim, meu desejo, agora tão palpável, tão ao meu alcance, me deu trégua pra descansar. Pra esperar com o coração sossegado, andar pelos dias, tomar café com leite, ler uma revista no metrô. Trabalhar com alegria e enxergar os cantinhos onde se escondem os pequenos prazeres. Ou, simplesmente, abandonar a miopia. Rever as paisagens batidas, as ruas de sempre, todas tão mais ensolaradas. Há tão pouco tempo me engoliam e, hoje, me abriram um sorriso. Devolvo a gentileza e isso me enche os pulmões. Reconheço um rosto amigo numa portaria, numa lanchonete, nessa minha vida que surpreende, sem espantar. Queria poder caminhar sempre leve assim. E vou tentar. Posso até me lembrar de respirar devagar, corrigir a postura. Andar altiva pela tarde e retribuir, um pouquinho que seja, toda a beleza de um dia comum.

domingo, 24 de agosto de 2008

De toda cor

Esperar eu espero. Mas, às vezes, me pergunto: tem que ser assim? Provação, necessidade, desperdício? Sei não. Sei que é difícil. Eu aqui, você aí - alguém tá no lugar errado. Não tem telefone, nem câmera que me faça apagar essa falta. Ausência é mais do que não ter a voz, a imagem, uma carta escrita. Ausência que dói mesmo é daquilo que nem bem se materializa. É do que eu sinto quando acordo e me descubro aconchegada na tua pele quente. É de quando percebo um teu sorriso novo, numa situação banal. É de ouvir da tua boca aquilo que eu acabei de pensar. É de achar o café mais gostoso, o tempo mais ameno, a música mais bonita, quando estamos juntos. Ai, meu samba anda tão chorado! Falta de ver o mundo cor de rosa? Quase isso. Acho que é falta de saber que o mundo não é cor de rosa, mas pode ficar, de vez em quando. É falta de sair do teu lado pra respirar a solidão e tomar fôlego pra voltar e querer ficar. É tanta coisa. A tua ausência é o oposto da tua presença, que é oposto do escuro, do susto, do amargo. A tua presença é o que eu desejo agora e o que eu quero desejar pra sempre.
*
A tua presença
Entra pelos sete buracos da minha cabeça
A tua presença
Pelos olhos, boca, narinas e orelhas
A tua presença
Paralisa meu momento em que tudo começa
A tua presença
Desintegra e atualiza a minha presença
A tua presença
Envolve meu tronco, meus braços e minhas pernas
A tua presença
É branca, verde, vermelha, azul e amarela
A tua presença
É negra, negra, negra
A tua presença
Transborda pelas portas e pelas janelas
A tua presença
Silencia os automóveis e as motocicletas
A tua presença
Se espalha no campo derrubando as cercas
A tua presença
É tudo que se come, tudo que se reza
A tua presença
Coagula o jorro da noite sangrenta
A tua presença
É a coisa mais bonita em toda a natureza
A tua presença
Mantém sempre teso o arco da promessa
A tua presença
Morena, morena, morena ... morena
*
(A tua presença morena - Caetano Veloso)

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Carta Aberta

Hoje recebi uma linda carta de amor. E quero respondê-la aqui. Não na íntegra, mas uma pequena parte. Por quê? Porque estive pensando que as pessoas que escrevem publicamente, ainda que em um canto escondido e quase anônimo como este, o fazem não por necessidade de aprovação, admiração, ou coisa parecida. Penso nos blogues de amigos e desconhecidos que acompanho com carinho, e, mais que isso, com gratidão. Sim, taí um "ão" que faz a diferança! Uma poesia de um aqui, uma frase inspiradora de outro acolá ... Quantas vezes não salvaram meu dia, me acalentaram o espírito, me trouxeram esperança, ou simplesmente me fizeram rir e enxergar tudo de um jeito mais leve? Então, acho que nisso está a verdadeira intenção do que fazemos: quem sabe ter a sorte de afagar um transeunte qualquer. Compartilhar indignação, frustração, tristeza, angústia, alegria, decepção, ternura, ou seja, um pouquinho de humanidade.
E assim, justifico minha decisão de postar parte de uma reposta a uma carta de amor; afinal, o amor será sempre o melhor que teremos a compartilhar.

Meu amor, sua carta me trouxe belas palavras, muitas aflições, algumas preocupações. Você falou sobre a sua confiança no nosso encontro e no que você espera poder representar pra mim. Preocupação acertadíssima, mas desnecessária. Você já representa muita coisa. Representa a possibilidade de realização dos meus sonhos mais sinceros, dos meus desejos mais secretos. Sinteticamente, posso dizer, a oportunidade de cuidar do essencial. E o que é essencial? Aprender e ensinar. "Aprender, servir e ajudar", você disse. Viu como pensamos parecido? Você falou tanto na sua vontade de corrigir suas imperfeições. Sabe, desde que tenho você comigo, também lido bem mais de frente com as minhas imperfeições. Não só porque a sinceridade é sua pior qualidade e seu melhor defeito, mas porque o amor nos põe à prova o tempo todo, revelando-nos o nosso egoísmo, os nossos medos, as nossas carências, as nossas necessidades nem sempre saudáveis. Não seria exagero dizer que o amor desvela o que há de melhor e pior em nós. Estamos bem longe de amar platonicamente, amar desprendidamente, desejando essencialmente o bem do outro. Amamos e queremos o nosso próprio bem, o bem que o outro nos provoca. Por isso, o melhor que você poderia significar pra mim é a certeza de que quero, sim, fazer esse exercício de amar verdadeiramente, e não egoisticamente. Você me ensina muito e sempre. Por exemplo, já aprendi que acordar do teu lado me faz ter mais confiança de que é possível melhorar muita coisa nesse mundo maluco. Você me ensina a dirimir meus preconceitos bobos, das formas mais improváveis. Quando declama os poetas que eu amo e não rejeita os livros que eu desprezo. Quando pega Pasolini e algo como "Duro de Matar" na locadora e me pergunta o que vamos ver primeiro. Quando me faz ouvir e gostar, na mesma semana, de Uakiti e Amy Winehouse (só com muito amor mesmo! rs). Quando me faz ter vontade (bem incipiente, mas ...) de voltar a estudar inglês, enfim ... E por que mais eu quero tanto aprender a "amar certinho"? Porque você olha para todas as crianças, como se cada uma fosse a mais especial. Porque você ama com o coração transbordando. Porque você não dá sobras; você se dá inteiro. Porque você não tem medo de amar. Porque você tem medo de viver sem amor. Porque você me faz querer ser a melhor mãe do mundo. Porque você ri quando eu quero chorar e chora quando eu quero rir (isso não é perfeito?). Porque você não permite que eu fique emburrada por mais de 24 horas (precisamos negociar esse tempo). Porque a sua sensibilidade não me alcança quando eu acho que preciso, mas me enxerga no escuro, quando eu menos espero. Porque você não sabe tudo sobre mim e isso me faz continuar a ser eu. Porque você quer saber mais sobre mim e isso vai fazer com que sejamos cada vez mais "nós". Porque você me ensina o que eu teimo em não querer aprender. E, claro, porque você me lembra que existem verbos que ninguém mais usa e me ensina alguns bons trajetos, o que faz com que eu me perca bem menos na Zona Oeste. rs. Viu, só? Eu bem que tento, mas meu amor continua sendo fundamentado num egoísmo abismal! Eu te amo por esse bem enorme que você me faz. Mas também porque eu acredito na sua proposta de evolução. Afinal, deve ser verdade o que dizem os livros de auto-ajuda: "Casais inteligentes enriquecem juntos". E sei que o nosso enriquecimento não tem a ver com contas polpudas, carro importado, viagens exuberantes. O que há de mais exuberante já temos. E eu te amo porque você me trouxe de volta uma esperança que eu havia perdido: a de que é possível viver e buscar o bem comum. Não importa o que faremos de efetivo, ou se o que faremos será efetivo (reciclaremos nosso lixo? economizaremos água? plantaremos algumas mudas? ensinaremos nossos filhos a respeitarem o planeta e o semelhante incondicionalmente? cuidaremos e ensinaremos crianças que não gerarmos?). Sinto que qualquer coisa que eu fizer contigo será capaz de germinar. E essa é a melhor resposta que consigo te dar nesse momento: a minha confiança. Meu amor, eu quero a sua ajuda. Para aprender sempre mais, para amar de um jeito cada vez mais verdadeiro e, principalmente, para que, juntos, possamos fazer valer a nossa existência.

sábado, 16 de agosto de 2008

Amar em paz

Chegou, sorriu, venceu depois chorou
Então fui eu quem consolou sua tristeza
Na certeza de que o amor tem dessas fases más
E é bom para fazer as pazes, mas
Depois fui eu quem dela precisou
E ela então me socorreu
E o nosso amor mostrou que veio prá ficar
Mais uma vez por toda a vida
Bom é mesmo amar em paz
Brigas nunca mais

(João Gilberto - Brigas Nunca Mais)

sábado, 9 de agosto de 2008

Ele

Ele sabe dos caminhos dessa minha terra
No meu corpo se escondeu, minhas matas percorreu
Os meus rios, os meus braços
Ele é o meu guerreiro nos colchões de terra
Nas bandeiras, bons lençóis
Nas trincheiras, quantos ais, ai

Cala a boca - olha o fogo!
Cala a boca - olha a relva!
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara

Ele sabe dos segredos que ninguém ensina
Onde guardo o meu prazer, em que pântanos beber
As vazantes, as correntes
Nos colchões de ferro ele é o meu parceiro
Nas campanhas, nos currais
Nas entranhas, quantos ais, ai

Cala a boca - olha a noite!
Cala a boca - olha o frio!
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara

(Chico Buarque / Rui Guerra)

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Cheiro de flor


Hoje, na Casa das Rosas, não havia nenhuma. Estranhei o jardim deserto. Depois me lembrei: não é mesmo tempo de rosas. E tenho percebido isso melhor do que ninguém. Mas sei que há brotos prontos para florescer. Que setembro venha logo e traga a primavera! Quero as rosas que você plantou em mim. Chega de ser espinhada pela saudade! Quero o perfume doce de flor bem no meu nariz. E a maciez das pétalas na minha pele. Você disse que a vida é difícil sem pontuação. Vejo que é o contrário. Como doem essas pausas longas, tantos pontos de interrogação (apesar de uma certeza absoluta, insuperável). Ponto final, então, pra quê? Não podíamos deixar a vida simplesmente correr, indefinidamente? Mas sem ponto não se muda de parágrafo, nem de história. Com você eu só quero reticências. Quero uma primavera inteira, todas as estações, e posso deixar as rosas pra depois. Agora eu tô de olho mesmo é numa vitória- régia. Aliás, que bobagem o nome homenagear rainha inglesa. Uapé é tão mais bonito! Bonito como o meu sorriso perto do teu. Eu vou. Quero deitar numa uapé contigo e me inundar de exclamações.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Fim de mês

Para T.C.P.S.

Quando será que eu vou encontrar
Paz pro meu coração
Se eu não enlouquecer de amor, eu vou ver minha vida acabar

E pensar em você é alívio
Arrasa solidão
E logo torna-se um precipício, pesadelo que vaga pelo ar

As coisas que eu penso e que ninguém quer entender
As coisas que eu faço e que ninguém deseja ver
É por essas e por outras que eu preciso de você
Só você sabe como e por quê

Queria chegar e te abraçar
E pelo coração te amarrar
Em vez de te ligar, eu iria te beijar e todos os meus sonhos
iriam acordar

(Agosto - Simoninha)

Por que não é?

devia ser proibido
uma saudade tão má
de uma pessoa tão boa
falar, gritar, reclamar
se a nossa voz não ecoa
dizer não vou mais voltar
sumir pelo mundo afora
alguém com tudo pra dar
tirar o seu corpo fora
devia ser proibido
estar do lado de cá
enquanto a lembrança voa
reviver, ter que lembrar
e calar por mais que doa
chorar, não mais respirar (ar)
dizer adeus, ir embora
você partir e ficar
pra outra vida, outra hora
devia ser proibido...

(Devia ser proibido - Alice Ruiz)

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Certinho, feinho, amor ...

Para amenizar um pouco, em clima de bossa ...

Amor à primeira vista
Amor de primeira mão
É ele que chega cantando, sorrindo
Pedindo entrada no coração
O nosso amor já tem patente
Tem marca registrada, é amor que a gente sente
Eu gravo até em disco todo esse meu carinho
Todo mundo vai saber o que é amar certinho
Esse tal de amor não foi inventado
Foi negócio bem bolado direitinho pra nós dois, foi ou não foi?
Esse tal de amor não foi inventado
Foi negócio bem bolado direitinho pra nós dois

(Amor Certinho - Roberto Guimarães, por João Gilberto)

Urgência

Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.
(Clarice Lispector)

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Bate-papo comigo

Ando esquecida de mim, de tanto que amo e sinto saudade. Incongruência? Total. Eu sou amor e saudade. Ambulante. Por aí, às turras com a vida. Ainda não sei se busco coerência, congruência. Sou simples demais pra isso. Busco consistência? Pode ser. Mas não nos bancos universitários, ou na filosofia alemã. Busco consistência na minha relação com o outro e comigo. Não sei quantos diplomas são necessários pra entender que viver é uma exigência. Instintivamente, percebo isso desde pequena, cumprindo minhas corriqueiras obrigações. E sigo assim ... simples para os outros, indecifrável pra mim mesma. Ou o contrário. Cheirei tanto a realidade, que acabei me viciando. E não tenho como parar, convicta demais que estou nesse meu pacto com a vida. Pode bater, pode pesar, pode doer ardido no peito; eu não me esquivo. E quem se esquiva? É só o que nos resta: viver (plagiando Gullar, na cara dura). No máximo, me curvo. Efeito colateral é sempre o mesmo: angústia. Sim, lucidez e angústia andam juntas. Inextricáveis. Estou chovendo no molhado. Mas não é só isso, não. Tem amor. Amor não cura; remedia. Amor distrai todos os sentidos de uma só vez. E então, a gente chega a acreditar que é refém dessa tal felicidade. Que o amor dure muito porque, em se tratanto de amor, o muito é sempre pouco. Mas não adianta se iludir: os sentidos logo se arrependem dessa inebriante distração. Não sei por que estou escrevendo isso, divagando tanto. Auto-conhecimento? Sim, blog é mais barato que terapia. Acho que foi só um tempo pra mim, pra eu me lembrar do que sou feita ... embriagada que ando, sob os efeitos latejantes do amor.

domingo, 20 de julho de 2008

Presença

Na almofada branca,
as sandálias sonham
com a seda dos teus pés…

Partiste..
Mas a alegria ainda ficou no quarto,
talvez no ninho morno, calcado por teu corpo
no leito desfeito…

Entardece…
Esfuziante e verde,
um beija-flor entrou pela janela,
(pensei que a tua boca ainda estivesse aqui…)

Do frasco aberto,
vestidas de vespas,
voam violetas…

E na almofada de seda,
beijo as sandálias brancas.
vazias dos teus pés.

AUSÊNCIA - João Guimarães Rosa

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Reminiscências de um sonho (acordada)

Livros, discos, quadros e roupas. Por onde eu passo, esbarro em você. Nessa madrugada, forcei meu pensamento pra te esbarrar nos meus sonhos. Mas não consegui dormir. Então, resolvi sonhar acordada mesmo. E aí, quase esbarro no limite da minha saudade ... Só que minha saudade não tem limite. Queria poder esbarrar o seu cheiro, e aí eu esbarraria uma alegria infinita. Eita verbo estranho - esbarrar! Pode ser tocar de leve ou chocar-se com algo. A mim parecem ser coisas tão diferentes! Penso em como você esbarrou no meu coração. Ai, Vinícius, né? Mas tocou só de leve mesmo. E então, insistiu um pouco, foi esbarrando, esbarrando ... com uma flor, um sorriso de querer sincero, aquela música do Tim ... Ainda pensa em ser diplomata? Lembro das palavras de um sábio homem, que só é um pouco suspeito porque tem tudo a ver com o fato de você existir: Esse menino tem um poder mágico sobre as pessoas! Não sei que dom é esse, que manha é essa. Ô jeito doce de esbarrar nos meus sonhos! Inclusive, nesse sonho acordada, esbarrei na enormidade do que a gente vai viver. Só esbarrei, quer dizer, só cheguei perto. Sei que tem muito mais. Porque, de verdade, você não só esbarrou, não. Você chegou.

A mente quieta, a espinha ereta e o coração tranqüilo

Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas, profundamente respirar.

Quem faz um poema salva um afogado.

(M. Quintana - Emergência)

sexta-feira, 11 de julho de 2008

SIM!

Ele estava no quarto. Ela voltou de pegar alguma coisa da cozinha. Não usava uma lingerie especial, mas o velho pijama de sempre. Estava despenteada, sem perfume. Apenas o seu cheiro de banho recém-tomado. Ia se deitar, estava cansada, mas foi detida pelo abraço dele. Ergueu-a um pouco, olhou para ela com um sorriso resplandecente e perguntou/afirmou: "Sabia que eu adoro esse nosso casamento?!"
Não, eles nunca assinaram nenhum papel, nem estiveram diante de um padre, ou coisa que o valha. Também não ficaram noivos, não namoraram cinco anos para se conhecerem bem e estarem certos do que queriam. Não trocaram alianças, não deram entrada para a compra de uma casa, nem festa para duzentos convidados.
Simplesmente disseram "sim" um para o outro. Brindaram a sorte de terem se encontrado e planejaram viver uma vida em que só caibam coisas essenciais.

Diga sim pra mim - Isabella Tavianni

Eu pensei em comprar algumas flores
Só pra chamar mais atenção
Eu sei, já não há mais razão pra solidão
Meu bem, eu tô pedindo a sua mão

Então case-se comigo numa noite de luar
Ou na manhã de um domingo à beira mar
Diga sim pra mim
Case-se comigo na igreja e no papel
Vestido branco com bouquet e lua de mel
Diga sim pra mim

Eu pensei em escrever alguns poemas
Só pra tocar seu coração
Eu sei, uma pitada de romance é bom
Meu bem, eu tô pedindo a sua mão

Então case-se comigo numa noite de luar
Ou na manhã de um domingo à beira mar
Diga sim pra mim
Case-se comigo na igreja e no papel
Vestido branco com bouquet e lua de mel
Diga sim pra mim

Prometo sempre ser o seu abrigo
Na dor, o sofrimento é dividido
Lhe juro ser fiel ao nosso encontro
Na alegria, felicidade vem em dobro
Eu comprei uma casinha tão modesta
Eu sei, você não liga pra essas coisas
Te darei toda a riqueza de uma vida
O meu amor

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Por favor

Se eu disser que tenho medo
Não pergunte
Não estranhe
Não se acanhe
Apenas pegue a minha mão
Aperte o meu coração
Reconforte-o
Não questione como, nem por quê
Coloque-me no colo e me abrace
Olhe nos meus olhos e diga:
Não tenha medo.
Eu estou aqui!

terça-feira, 8 de julho de 2008

Eu te quero até o fim!

Cá comigo, creio que esse canto será, nos próximos meses, o canto da saudade. Cada um canta o que pode ... Então, vou cantar e contar minha saudade. Enorme! Visceral! Como o meu amor. Fiz uma pesquisa rápida e sei que não faltarão canções e poesias sobre o tema. Sambas, então!!! Arre!!! Samba é mesmo pra isso: pra chorar as dores de saudade. "Porque o samba é a tristeza que balança / E a tristeza tem sempre uma esperança / A tristeza tem sempre uma esperança / De um dia não ser mais triste não ..."
Também não faltarão as minhas palavras, minhas lembranças ... doces, entranhadas!

Começo com essa música linda, na voz da Elis.

Para T.C.P.S. (você, que cultiva rosas e amor como ninguém ...)


Amor, não tem que se acabar
Eu quero e sei que vou ficar
Até o fim eu vou te amar
Até que a vida em mim resolva se apagar

Amor é como a rosa num jardim
A gente cuida, a gente olha
A gente deixa o sol bater pra crescer, pra crescer
A rosa do amor tem sempre que crescer

A rosa do amor não vai despetalar
Pra quem cuida bem da rosa
Pra quem sabe cultivar
Amor não tem que se acabar
Até o fim da minha vida eu vou te amar
Eu sei que o amor não tem, não tem que se apagar

(Amor até o fim - Gilberto Gil)

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Para o Vlad

Caro Vlad,
Tenho andado ocupada. E me dei conta do quão fantástico é alguém me cobrar a atualização deste cantinho aqui. Ainda mais alguém que eu ainda não tive o prazer de conhecer pessoalmente. Por isso resolvi escrever. Rapidinho, assim, só pra pedir com carinho: não desista de mim! Eu volto logo. Essa semana tem sido Fernando Pessoa e seus três amiguinhos (o Reis, o Campos e o Beto) a me pedirem atenção integral. Justo pra mim, que sempre gostei tanto deles! O problema é que em trabalho acadêmico tudo fica menos leve, obrigatoriamente mais denso. Sabe como é ... vale nota! Fora isso, seminário disso e daquilo, leituras esquecidas durante um longo semestre e que precisam ser recuperadas em 2, 3 dias?! Se eu deixo tudo pra última hora? Sempre! Defeito insolúvel, irremediável. Ah, tenho os 35 pequenos pra cuidar à tarde, também. Eu, que sempre disse que alfabetização é coisa pra gente séria, tento levá-los pela mão, nessa aventura rumo ao aprendizado mais importante da vida deles. Pois é, é pra gente pretensiosa também; não pra mim. Não dou conta disso tudo, não! E ainda inventei de namorar. Claro, o seu lindo irmão. Ajuda tanto ... e atrapalha tanto também! Mas como é bom ser atrapalhada por um sorriso daquele tamanho! Estudamos juntos, lemos um para o outro, trocamos idéias ... e como ele me provoca! Você bem sabe como é isso, né? Mas vamos encerrando, porque, se bobear, isso que era pra ser só um breve pedido, vira uma declaração universal do meu amor por ele. Quase esqueço: há ainda os cachorros - dois, semi-abandonados (tadinhos!) e o meu fofo bebê de cinco meses (a Gabi, minha sobrinha), que me retém com aqueles esboços de sorrisos irresistíveis.
Bem, caro Vlad, volto em breve. Promessa é dívida!
Aproveite a estada em Fortaleza e dê um abraço apertado no seu pai, por mim. Por alguma razão desconhecida, já me considero amiga dele.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Notícias

Tenho saudades de vocês dois
Amando-se aos 80 anos
Um com ciúmes, o outro provocando
Um reclamando de tudo, o outro consentindo sempre
Tenho saudades de vocês dois
Da preocupação que vocês me causavam
Da graça que sempre inspiravam
Do medo que tinham de ser um, e não dois
Tenho saudades enormes de vocês dois
De tudo que me ensinaram, de todo o amor que me deram,
de tudo o que vocês foram juntos
Tenho saudades e queria muito contar pra vocês
Apesar dessa falta, desse nó na garganta
Hoje eu estou bem feliz

Sem lugar

Se você for, eu vou
Se você ficar, eu fico
Se você for, eu fico também
Mas se ficar, eu já estou
Estou, você indo ou ficando
com você, em qualquer lugar
E fico, em qualquer situação,
sem outra opção
Eu só posso te amar
Porque aqui ou acolá
Você já está
Em mim, inescapavelmente

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Rima perfeita

Rima pobre amor e dor
rima sem expressão
Não é porque calhou a terminação,
que essa rima tenha razão

Prefiro rimar or com er
or com ar
ou ainda, or com ir
Mas se, por acaso, eu tiver que juntar
amar e chorar
Será nos teus braços
e não será por doer

Você que me faz entender
que amar não implica sofrer
Você que me faz perceber
que rimar amor e dor
é falsa construção,
forjada armação

Amor nunca rima com dor,
nem querer com sofrer
Amor só rima com amor
E você rima comigo
em qualquer verso
em qualquer estrofe
em todas as métricas ... milimetricamente!

Tradução

às vezes, nem eu consigo me traduzir tão bem ...

Dia desses vi o amor.
De unhas vermelhas e blusa ao contrário.
De casaco tirado do armário. Sentou na minha frente.
Não pude ignorar...

Só queria um olhar
do comprimento do meu
da distância do teu
A medida exata
para não cansar

Queria teu braço
A me apertar
A me levar
Por esse chão encerado
de roseiras ao lado

Esse tempo de espera
Era exatamente seu
Esse tempo sou eu

E te dei essa espera
Com sorriso escavado
Te dei esse tempo
Sem estar ao teu lado

Fica!
Agora a espera é passado
É meu esse chão encerado
Fica! De-mora ao meu lado

(Dia desses ... Iara Ga Iañez)

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Dom de amor

Para T.C.P.S.

Você tem o dom
de pôr som de celo
onde havia gelo
quem dera tê-lo
você e teu dom
de transformar esse silêncio
num solo de celo
quem dera descobrir
teus zelos véu por véu
descobrir talvez um novo céu
e nele vê-lo
entre as estrelas
cobrir você
com meus cabelos
quem dera este celo
não fosse tão solo
quem dera você para sê-lo

(Som de Celo - Alice Ruiz)

Nosso tempo é bom

Saia desta vida de migalhas
Desses homens que te tratam
Como um vento que passou

Caia na realidade, fada
Olha bem na minha cara
Me confessa que gostou
Do meu papo bom
Do meu jeito são
Do meu sarro, do meu som
Dos meus toques pra você mudar

Mulher sem razão
Ouve o teu homem
Ouve o teu coração
No final da tarde
Ouve aquela canção
Que não toca no rádio

Pára de fingir que não repara
Nas verdades que eu te falo
Dá um pouco de atenção

Parta, pegue um avião, reparta
Sonhar só não tá com nada
É uma festa na prisão

Nosso tempo é bom
Temos de montão
Deixa eu te levar então
Pra onde eu sei que a gente vai brilhar

Mulher sem razão
Ouve o teu homem
Ouve o teu coração
Batendo travado
Por ninguém e por nada
Na escuridão do quarto
Na escuridão do quarto

(Mulher sem razão - Adriana Calcanhoto)

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Inexplicando

Por que é que eu gosto de você?
Como é que eu vou dizer?
Como é que eu vou entender?
Como é que eu vou verter?

Se as maneiras me evitam
As palavras não imitam
As idéias não indicam
A música que assovia o coração

O coração?
Esse só responde com brilho
Desde que você chegou é assim:
Melodia escorrendo dos olhos
Alegria enfeitando o meu colo
Sintonia do começo ao fim

Por que é que eu gosto de você?
São cem razões e sem senões
Duzentas vezes o que eu não sei dizer
E uma só vez o que eu não canso de sentir

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Cada vez más de cerca ...

Para T.C.P.S

"Toco tu boca, con un dedo toco el borde de tu boca, voy dibujándola como si saliera de mi mano, como si por primera vez tu boca se entreabriera, y me basta cerrar los ojos para deshacerlo todo y recomenzar, hago nacer cada vez la boca que deseo, la boca que mi mano elige y te dibuja en la cara, una boca elegida entre todas con soberana libertad elegida por mí para dibujarla con mi mano en tu cara, y que por un azar que no busco comprender coincide exactamente con tu boca que sonríe por debajo de la que mi mano te dibuja.

Me miras, de cerca me miras, cada vez más de cerca y entonces jugamos al cíclope, nos miramos cada vez más de cerca y los ojos se agrandan, se acercan entre sí, se superponen y los cíclopes se miran, respirando confundidos, las bocas se encuentran y luchan tibiamente, mordiéndose con los labios, apoyando apenas la lengua en los dientes, jugando en sus recintos donde un aire pesado va y viene con un perfume viejo y un silencio. Entonces mis manos buscan hundirse en tu pelo, acariciar lentamente la profundidad de tu pelo mientras nos besamos como si tuviéramos la boca llena de flores o de peces, de movimientos vivos, de fragancia oscura. Y si nos mordemos el dolor es dulce, y si nos ahogamos en un breve y terrible absorber simultáneo del aliento, esa instantánea muerte es bella. Y hay una sola saliva y un solo sabor a fruta madura, y yo te siento temblar contra mí como una luna en el agua."

(Julio Cortázar, Rayuela - Cap.7)

terça-feira, 6 de maio de 2008

Um lugar pra ficar

Quando cheguei nesse lugar desconhecido, meus pés vibraram ao primeiro contato. Ali, logo na entrada, fui sentindo uma leveza, um não sei quê de poesia, talvez uma alegria. Com a chave menor, você abriu o primeiro portão. Minhas mãos ansiosas, nervosas, desabrocharam. Aliás, depois de aberto o segundo portão, eu vi que havia rosas. E não tinham sido compradas em loja. Estavam plantadas, regadas, sadias. Junto à penúltima porta, eu quase me espanto: estava tudo lustrado, tão ordenado, tudo tão limpo e cheiroso! Tudo pronto para um inesquecível encontro. Cada coisa em seu lugar, cada móvel em seu pedaço, cada luz em seu espaço. Era tanta harmonia que até parecia dia. Sabe dia ensolarado com cheiro de mato? Desses que a gente não quer perder sem amar alguém? Mas já era noite. Estrelada e de lua crescente, decerto. Mais do que os casacos dobrados e os sapatos guardados, susto mesmo me causou seu coração: tão certo, tão decidido, tão sem receios, tão sem rodeios. Lugar luminoso esse seu coração! Amplo, arejado, bem desinfetado e com vista panorâmica para o meu. Não é nem calmo, nem irrequieto, nem simples, nem complexo; é um coração disposto. E, por isso, raro. Não sei o que mais nele encontrei (se é que precisasse), só sei que fui sentindo uma vontade grande de ficar, de conhecê-lo, de aquecê-lo. E você, sem pedir fiador, com esses olhos de riso, tem aberto os caminhos. Defuma os cantos, repõe as telhas e me mostra cada ângulo em que bate sol. E eu, que cheguei só pra dar uma espiadela, resolvi colocar minha rede bem no meio e viver no seu aconchego. Agora, só me resta fazer um pedido, afinal você bem sabe que inquilino novo tem mania de tudo mudar, de tudo ajeitar. Deixa, não, tá?! Seu coração é tão bonito assim! Ah, também não quero as chaves. Porque desse jeito, você terá sempre que abri-lo pra mim.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Nosso

Estranhamente, este não estava no blog. Que bom que você não acredita em coincidências! Já que gostou tanto, agora é todo SEU.

Para T.C.P.S.

Seu

Arrebate meu coração
Leve-o pra onde quiser
Arremate-o!
Esconda o meu olhar entre os seu pêlos
Minha boca entre os seus anseios
E as minhas mãos ... não precisa, entranhadas estão
Respire meu pensamento
Sorva cada gota da minha sede
Tateie o meu calor
Amplifique a minha voz
Modifique a minha dor
Retire, eleve, transforme
Tudo que ainda restar
Tudo que ainda quiser
Tudo de que, sem escolha, eu dispuser
Não quero nada em troca
Não é uma troca; não tenho escolha
Só não quero me esquecer do seu gosto
Me esquivar do seu cheiro
Nem perder os sentidos
Só não quero ter que lembrar
E não quero, de jeito nenhum,
Que me entregue de volta
É tudo seu
E, só assim, pode continuar a ser meu

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Porque escrever é assim ...

Ah!
Não pode usar qualquer palavra
Então é por isso que não dava
Eu tentava, repetia, achava lindo e colocava
Se não cabe, se não pode
Tem que trocar de palavra

Ah!
Mas é tão boa essa palavra!
Carregada de sentido com um som tão delicado
Agora eu vou ter que trocar?
Ah!
Vá se danar!
Ah! Tem que caber?
Ah! Ninguém repara
Ah! Tem que entender?
Ah! Mas tá na cara
Então muda?!?
Han... han...
Hum
Chiiii
Ai ai ai ai ai ai ai
Han?
Haa tá
Nossa! É isso?!
Hei! Hou!
Ara!
Ah!

(Luiz Tatit)

Procura-se!

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

(Poema em linha reta - Álvaro de Campos)

Professorando

Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino.

(Paulo Freire)

domingo, 6 de abril de 2008

Doce melodia

Com a unha suja de barro
Os pés descalços
E um sorriso de lado
Eu vou, se você quiser
Faz tempo que o meu laço de fita se soltou dos cabelos
Viajou pelo ar, ensaiando uma dança
Esperando você chegar perto
Pra poder te abraçar, se enroscar devagar
E se essa coreografia
Te trouxer pra junto de mim
Nossa música vai começar
Com a mão enlaçada na tua e um gesto de corpo
Eu te chamo pra ir ver o mar
E se tiver lua cheia e a maré serenar
No meio da noite, sob um céu estrelado
Eu vou sentir, de novo, o teu ritmo
Pulsando sobre a minha melodia

Um sonho

Eu queria dormir e sonhar
Mas só se fosse um sonho bom
Eu queria acordar e sonhar
Mas só se fosse um sonho de amor

Mais um adeus ...

Passarinho
Gatinho Cetim
O cachorro voltando da carrocinha, na sacola de feira
Honestidade
Trabalho
Punhados de balas
Balanço no quintal
Parque Nabuco
Zoológico
Visita aos tios mais velhos do interior
Comedimento
Honra
Rigidez
Disciplina
Roupa cheia de tinta de parede
Bigode
Ovo de páscoa escondido no Domingo
Natal mais feliz da infância
Fusca caramelo
Dança no quintal
Pinguinha pra abrir o apetite
Bronca
Zanga
Melancia
Abacate
Limoeiro
Tirinhas de cana geladinhas
Nelson Gonçalves
Altemar Dutra
Kojak
Filmes de Bang Bang
Histórias da roça
Aulas de direção
Resgate dos castigos dos pais
Proteção
Família
Amor
Sentido

É tudo isso e mais um monte de coisas inexprimíveis que me fazem guardar pra sempre a lembrança do melhor avô do mundo. Foi você quem, sem ter acesso ao mundo dos livros, um dia, sem saber, me abriu o mundo da poesia, me colocando no colo e cantando assim:

Eu tenho um gatinho
Chamado Cetim
Alegre e mansinho
Que gosta de mim
Bem cedo na cama, vem ele, "miau"
Tanto me chama, que até fica mal
Cetim me obedece
De bom coração
Eu fico com medo
E não tenho razão

Obrigada!

segunda-feira, 10 de março de 2008

Ainda

Ainda pensando porque ainda você. E a imagem que fica é sempre a do teu olhar. Tenho medo de plagiar Machado, mas não tenho culpa de você ter esses legítimos olhos de ressaca. Uma breve pesquisa, nada literária: Calcula-se a ressaca do mar, subtraindo-se a maré astronômica normal da maré dos períodos de tempestade. Normalidade? Tempestade? O que isso tem a ver com você? Comigo? Com nós dois? Aliás, nós dois??? Esquece! São mesmo os teus olhos de ressaca. E, claro, o auxílio luxuoso de um pandeiro.

Você pra mim

Eu nem sei mais o que é:
Vontade?
Teimosia?
Burrice?
Melhor não tentar explicar
Melhor tentar fugir
Melhor que tentar, conseguir.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Quem nunca viu, vai ver!

Com um pouco de tempo livre, descobrem-se marravilhas. Finalmente entrei na exposição permanente do CCSP - Cantos Populares do Brasil: A Missão de Mário de Andrade. Já sabia que se tratava de uma pesquisa sobre cantos e danças tradicionais do Brasil, feita na década de 30. Só não imaginava que a pesquisa fosse tão extensa e que os resultados - documentários em áudio e vídeo, além de fotos - tão incríveis. A equipe enviada por Mário, então diretor de Cultura da cidade de São Paulo, para as regiões Nordeste e Norte, foi fundo no ideal de redescobrir o Brasil popular, ao qual chamamos, correta ou incorretamente, de folclórico. Bois-Bumbás, Rodas de Coco, Babassuês, Tambores de Crioula e Congadas são manisfestações retratadas nesse trabalho tão rico. As misturas de ritmos, danças, instrumentos e, principalmente, de culturas - africanas, indígenas, européias - estão nesse trabalho. Para quem se interessa por cultura popular, essa exposição é obrigatória. Além das demonstrações feitas em diversos cantos do Pará, Pernambuco e Paraíba, a história de cada tradição é narrada, trazendo à tona um Brasil que vai muito além do Sudeste. Catimbós, cujos mestres de terreiro relutam em se deixar filmar, trazem um sincretismo que é muito mais do que macumba ou pajelança. Os cocos, que têm o ritmo marcado com as palmas das mãos, eram uma alternativa à falta de instrumentos. A história das Congadas trata das coroações de reis e rainhas africanos, escravos, nos cativeiros coloniais. As coroações reprimidas pelos brancos deixaram de acontecer. Mas a dança e a música, nunca. Os pôsteres da exposição são um registro de brasileiros simples, de pés descalços, com seus sorrisos desdentados nos rostos, felizes, cantando e dançando, mas, sobretudo, conservando suas raízes. No livro de visitas, alguém acertamente deixou anotado que o BraZil não conhece o Brasil. Acho que não só o BraZil. O próprio BraSil não se conhece. Além da exposição, podemos entender um pouco mais dessa nossa miscelânea riquíssima no programa Cultura Ponto a Ponto, da TV Cultura, exibido aos dimingos, às nove da noite. O grupo Afromacarrônico, sempre em cartaz às quartas, no Ó, é uma outra fonte valiosíssima. Não custa quase nada. E não tem preço.

C´est fini

Foram doze anos. Alguns me perguntam se estou triste. Outros se estou aliviada. Não sei dizer. Ainda estou saboreando o gosto de algo que eu desejei e que, por fim, aconteceu. Não me "pesou" tomar a decisão. Mas não tomá-la, ou não poder tomá-la, me pesava toneladas. Por outro lado, sinto muita gratidão. Gratidão é um sentimento bonito. Talvez, o mais bonito de todos. Tenho gratidão por esses doze anos de convivência com as criaturas mais diferentes, por aprender sempre e sempre, seja algo aparentemente bobo, ou vital. Gratidão pelas pessoas que foram mais do que colegas de trabalho: foram carinhosas, calorosas, acolhedoras e me deram muito mais do que uma colaboração corporativa. Gratidão tenho porque nesses doze anos de convivência conheci e conquistei os meus mais queridos amigos.
Agora, as possibilidades se abrem. Já sei que vou ter que manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranqüilo, como diz a música do Walter Franco. Não estou tão acostumada assim aos desafios. Mas quero encará-los, abraçá-los, enfrentá-los. Fazer o que eu gosto? Mais do que isso. Experimentar. A vida sem experimentação é que nos dá os sintomas do cansaço, da acomodação, da falta de coragem. E tudo o que eu quero agora é o oposto disso tudo: do latim, animus: ânimo, energia, audácia, vontade, inclinação, PAIXÃO. Se é assim, então vamos lá!

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Dica

Entrevistada do Entrelinhas de ontem, Ivana Arruda Leite é contista de mão cheia. Já publicou alguns livros, que pretendo conhecer em breve. Por enquanto, me delicio com os contos e crônicas jogados na net.

Receita para comer o homem amado

Pegue o homem que te maltrata, estenda-o sobre a tábua de bife e comece a sová-lo pelas costas. Depois pique bem picadinho e jogue na gordura quente. Acrescente os olhos e a cebola. Mexa devagar até tudo ficar dourado. A língua, cortada em minúsculos pedaços, deve ser colocada em seguida, assim como as mãos, os pés e o cheiro verde. Quando o refogado exalar o odor dos que ardem no inferno, jogue água fervente até amolecer o coração. Empane o pinto no ovo e na farinha de rosca e sirva como aperitivo. Devore tudo com talher de prata, limpe a boca com guardanapo de linho e arrote com vontade, pra que isso não se repita nunca mais.
(Ivana Arruda Leite)

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Um ano

Há exatamente um ano atrás, eu vivi o momento mais triste da minha vida. O momento que eu sempre temi e que eu sempre afastava do pensamento, tentando fazê-lo parecer remoto. Perder a minha avó foi perder a minha melhor amiga da infância. Dona Maria não era só uma avó permissiva, que me deixava fazer travessuras e comer doces, ao invés de legumes. A minha avó participava das brincadeiras comigo e gostava, tanto ou mais do que eu, de todas as tranqueiras que dizem que as crianças não devem comer. Ela era a boneca em quem eu experimentava penteados, a vítima das minhas comidinhas de água e pedrinhas, minha entrevistada constante e favorita, além de jurada dos "espetáculos" que eu, minha irmã e minha prima inventávamos. Sua penteadeira (só as avós têm penteadeiras) era o meu brinquedo mais divertido. Tirava tudo do lugar e dispunha cada vidro, cada objeto, do jeito que eu bem entendesse, sem que ela se queixasse ou ralhasse comigo. Ela adorava quando eu ia na vendinha e voltava toda feliz, munida de suspiro cor de rosa, doce de abóbora de coração, pés de moleque ... Antes de ser a avó protetora, Dona Maria era a amiga cúmplice. Em junho, me ajudava a fazer cola de farinha para pendurar bandeirinhas pela casa inteira e, depois, levava sozinha, todas as broncas dos adultos - esses seres incompreensivos e estraga-prazeres. À noite, quando eu teimava em ficar acordada, ela me contava histórias que nada tinham a ver com fábulas infantis. Eram histórias meio trágicas, de gente real, que ela ouvia no rádio, e depois recontava, carregando no suspense. Eu ficava vidrada, querendo saber o final, e ela saboreava a minha impaciência. Um dia, rimos horas e horas de uma bobagem que vimos na TV. Ninguém achou a menor graça, mas eu e minha amiga nos contorcíamos com dor na barriga, de tanto achar engraçado. Foram tantos bolinhos de chuva, pipocas, cocadas que dividimos ... Tanta alegria que compartilhamos! Quando eu me machucava ou ficava com febre, era sempre a minha mãe que eu queria; afinal, nesses momentos, sempre queremos a proteção de gente grande. Depois que eu cresci, a distância surgiu. Eu deixei de gostar daquelas brincadeiras, daquelas guloseimas. E minha amiga continuava ali, criança, no seu corpo de setenta e tantos anos. Na tarde em que minha mãe ligou pra dizer que a minha melhor amiga da infância estava muito doente, andando pela rua, eu senti o asfalto sumindo sob os meus pés. Entendi o significado da palavra "desnorteada". E na noite do dia 22, quando me ligaram do hospital dizendo que ela havia partido, chorei várias perdas diferentes: a avó querida, a amiga companheira e a infância de doces baratos e brincadeiras improvisadas que ficava, definitivamente, para trás.
Coincidentemente, acabo de reler O Pequeno Príncipe, esse clássico da literatura infantil tão necessário aos adultos de hoje. A minha avó nunca leu O Pequeno, mas na sua perspicácia de mulher humilde, entendeu que a lógica dos adultos não fazia sentido. Por isso, escolheu viver como criança, cativando todos que passaram pela sua vida. No livro, a partida dos amigos é sempre motivo de tristeza. Mas sempre uma tristeza consolada pela certeza de que uma vez cativados, os amigos se conectam para sempre.
Talvez eu precise olhar mais pro céu, à procura de rosas preciosas.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Louco é quem não diz

É muito fácil enlouquecer
A loucura anda por aí; sempre à espreita, sempre com fome
Anda seus passos surdos, discreta, matreira
Daqueles que já sucumbiram ela faz o que bem quer
Qual dona-de-casa mandona, impõe a ordem dos móveis e a cor das paredes
E assim, desafiante, dominadora, desfila suas formas sinuosas
Há os que seguem aos berros, sujos e despidos
vociferando impropérios, rindo do mundo limpo e são
Há os que repetem as vozes de todos os demônios
que a dona da casa convidou pra almoçar
E há ainda os que babam, urinam, defecam,
peidam e escarram, sem se esconder, sem se importar
Aliás, a loucura não quer saber se haverá quem os limpe,
quem os lave e lhes dê de comer
Ela só quer reinar soberana, exercer seu mandato
A ordem dessa senhora pode ter contornos menos brutos, mais elaborados: a angústia que arde, a crueldade que dorme, a depressão que derrota
Não se sabe ao certo se a loucura escolhe ou é escolhida
Apenas que se embrenha através dos excessos: os fracos demais, os indiferentes demais e os que pensam demais
Outra coisa da qual se tem certeza é que a loucura se alimenta dia a dia, nos comedouros imundos do mundo
Mundo que exalta os ricos, os bem-sucedidos, os impecáveis em trajes de festa
Mundo que rejeita a solidão e vende felicidade como um bem de consumo
Mundo que despreza os poetas, os desregrados e os justos
O mundo engorda a loucura
E ela está cada dia mais forte, valente, potente
Exatamente como o mundo quer
E sempre com fome, sempre à espreita
Somos todos terrenos férteis, produtivos
protegidos por cercas sem eletrificação e cães desdentados
Onde será o próximo acampamento?

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Cor de rosa

podem ficar com a realidade
esse baixo astral
em que tudo entra pelo cano

eu quero viver de verdade
eu fico com o cinema americano

(Paulo Leminski)

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

E então?

Ando sem paciência pra escrever. Ou sem coragem. Na verdade, sem paciência pra pensar, pra organizar idéias. Ou será que ando preguiçosa pra sentir? Às vezes, sinto apatia e me deixo perder nesse limbo do não estar. Ando sem paciência pras pessoas também. Ou para as suas praticidades e aborrecimentos cotidianos. Não tenho me interessado pelo escândalo do cartão corporativo nem pelas eleições americanas. O verão, minha estação preferida, tem passado sem me entusiasmar. Ao redor, tudo tem a mesma cor, o mesmo cheiro, uma luz incessante. Não consigo me sentir parte de nada, compartilhando o que quer que seja. Nem medo de estar sendo um ser humano horroroso eu consigo ter, apesar da desconfiança. Parece que estou em férias de mim mesma, esperando alguma coisa religar. E me sinto fraquejar numa tentativa frouxa, mais que tímida, de me religar ao mundo. Acho até que faz sentido esse esquecimento existencial. Afinal, pausa para uma vida nova. Mudanças ansiadas, acertadas, contagem regressiva. Acho que a ansiedade chegou num ponto de saturação e se transformou em morosidade psíquica, ou, trocando em miúdos, tico e teco estão exaustos. Não só tico e teco. Estou toda exaustão, que não é cansaço físico: é fadiga de ser, de querer, de não ter. Talvez ilustre essa mornidão, o meu melhor momento dos últimos meses: o anestesista me pedindo pra respirar fundo, avisando que eu ia começar a sentir muito sono, a voz dele ficando cada vez mais longe, um torpor delicioso, total ... Mas sei que isso tudo vai passar, como já passou tantas outras vezes. Sei que essa é uma crise pontual e que esse vazio não é consistente o suficiente pra me entorpecer de verdade. Sempre haverá um samba pra estufar o meu peito de ar, uma letra antiga pra eu cantar até perder o fôlego. Isso sem falar nas amigas queridas e no rostinho cada vez mais lindo da Gabi.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Quanto riso, óh, quanta alegria ...

Tenho me sentido um salão de baile de Carnaval. Não necessariamente pela alegria inescapável e até compulsória. Tô falando é dos mais de mil palhaços mesmo.

Kalter Wind

Van, tá frio aí em Frankfurt? Porque tá tão frio aqui no meu coração. Tá tão apertado de saudade da sua voz mansa me consolando, me dizendo "ô, amiga, não fica assim". Que falta faz a sua atenção sincera, a sua preocupação de verdade! Você se lembrando de perguntar se passou, se sarou, se eu tô melhor. Você me dizendo que, se eu precisar de alguma coisa, é pra ligar meeeeesssssmo. Você se oferecendo pra resolver qualquer coisa que pudesse facilitar minha vida. Saudade de você rindo das minhas histórias, da minha "falta de sorte"; saudade da sua solidariedade bem humorada. E de você checando minhas intenções, meus passos, meus olhos ... pra saber se estavam secos ou molhados, decididos ou turvos.
Ai, amiga, que sorte têm esses frankfurtianos! Eles te têm tão perto. Se um vento de sorte soprar, te esbarram e descobrem der beste freund der welt.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Pescando o amor

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Casamento - Adélia Prado

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Basta sonhar com você

Uma manhã de verão outonal, sem o sol forte e com as folhagens das árvores dançando embaladas pelo vento. Eles estavam parados quase na esquina, ainda sobre a calçada. Ele, bem mais alto, vestia uma malha dessas que parecem ter sido recém tiradas da gaveta, ainda com o cheiro bom da última lavada. Ela, miudinha, preparada para mais um dia de trabalho: bota, casaco, guarda-chuva ... Ele segurava o rosto dela entre as mãos e a retinha, sorrindo, sussurando, ajeitando-lhe o cabelo. Ela sorria de volta e ouvia paralisada. Ele não queria que ela fosse. E tudo que ela queria era ficar. Talvez ele estivesse desejando-lhe um bom dia, ou recomendando-lhe cuidado no trajeto. Talvez estivesse agradecendo a noite que tiveram, o jantar improvisado, o vinho derramado, o amor demorado. Talvez estivesse apenas sorvendo mais um pouco do seu cheiro matinal: shampoo e sabonete. Maravilhava-se por ela ser incrivelmente cheirosa sem uma gota de Chanel. Um beijo e ele a envolveu nos braços de novo. Apertava-a contra si, de olhos fechados. Afastou-a e fixou-se novamente nos seus olhos. A expressão do seu rosto agigantava e tomava conta de tudo. Sempre sorrindo, ele repetia alguma coisa. Ela tentava, sem convicção, se esquivar dos seus carinhos. Olhava o relógio e tentava partir. Ele lhe deu mais uma abraço aconchegante, beijou-lhe os lábios e, finalmente, a soltou. Ela saiu a passos curtos. Olhava pra trás e ele acenava, ainda parado, ainda sorrindo, ainda encantado. Depois de cruzar a esquina, de onde já não o avistava mais, ela acelerou os passos, como era seu jeito de sempre fazer. E mesmo apressada, atrasada, olhava para tudo e para todos. Queria compartilhar, repartir aquele breve instante de plenitude. O vento gelado batia no seu rosto e ela se abandonava nessa sensação. Mastigava as últimas palavras que tinha ouvido e tentava espantar aquele seu medo tão íntimo. Ainda sentindo-se abraçada por ele, lembrou das manhãs em que, após uma noite perfeita, tudo o que restava era um "bom dia" sonolento e sem entusiasmo, às vezes seguido de um "depois a gente se fala". Ou das madrugadas em que dirigia sozinha pela cidade, fugindo dessa chateação. Mas não queria sentir medo; ao contrário, precisava desvanecê-lo. Precisava acreditar no quanto era interessante e merecedora de manhãs de verão outonal. Distraiu-se com o toque do celular. Era uma mensagem dele: "Sonhei que você esteve aqui. O seu cheiro está em toda parte. Hoje eu faço o jantar".

*

Um homem pode ir ao fundo do fundo do fundo se for por você

Um homem pode tapar os buracos do mundo se for por você

Pode inventar qualquer mundo, como um vagabundo se for por você

Basta sonhar com você


*

(Moto Contínuo - Edu e Chico)



terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Modinha para Gabriela

Quando eu vim para esse mundo
Eu não atinava em nada
Hoje eu sou Gabriela
Gabriela, ê, meus camaradas
Eu nasci assim, eu cresci assim e sou mesmo assim
Vou ser sempre assim
Gabriela ... sempre Gabriela
Quem me batizou, quem me nomeou
Pouco me importou, é assim que eu sou
Gabriela ... sempre Gabriela
Eu sou sempre igual, não desejo o mal
Amo o natural, etc e tal
Gabriela ... sempre Gabriela

(Dorival Caymmi)

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Amor perfeito

Talvez porque minha ânsia de amar seja tão grande, eu esteja com todos esses freios puxados.
Sim, movimento contrário. Parece maluco, mas é o meu jeito de ser tão fiel a mim mesma. Não, eu não quero alguém perfeito. Eu quero um amor perfeito. Um amor perfeito, sob medida pra mim. Com toda a insipidez e toda a explosão contida dentro de alguém. Qual é o amor pefeito? Aquele que eu consiga sentir com todos os meus sentidos, com o corpo e a alma.
Talvez eu precise, sim, dar mais chance prum amor acontecer. Talvez eu confuda mesmo amor com atração. Talvez, talvez ... Eu não preciso mesmo de certezas. Eu só preciso viver.
*
Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
eu quero a estrela da manhã
*
(Estrela da Manhã - Manuel Bandeira)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Vida, Chico, Vida

Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Deixei a fatia
Mais doce da vida
Na mesa dos homens
De vida vazia
Mas, vida, ali
Quem sabe, eu fui feliz

Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Verti minha vida
Nos cantos, na pia
Na casa dos homens
De vida vadia
Mas, vida, ali
Quem sabe, eu fui feliz

Luz, quero luz,
Sei que além das cortinas
São palcos azuis
E infinitas cortinas
Com palcos atrás
Arranca, vida
Estufa, veia
E pulsa, pulsa, pulsa,
Pulsa, pulsa mais
Mais, quero mais
Nem que todos os barcos
Recolham ao cais
Que os faróis da costeira
Me lancem sinais
Arranca, vida
Estufa, vela
Me leva, leva longe
Longe, leva mais

Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Toquei na ferida
Nos nervos, nos fios
Nos olhos dos homens
De olhos sombrios
Mas, vida, ali
Eu sei que fui feliz

Vida - Chico Buarque

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Creer

Românticos são poucos
Românticos são loucos desvairados
Que querem ser o outro
Que pensam que o outro é o paraíso
Românticos são lindos
Românticos são limpos e pirados
Que choram com baladas
Que amam sem vergonha e sem juízo
São tipos populares que vivem pelos bares
E mesmo certos vão pedir perdão
E passam a noite em claro
Conhecem o gosto raro
De amar sem medo de outra desilusão
Romântico é uma espécie em extinção

(Românticos - Vander Lee)

Essa música me lembra uma outra espécie em extinção - o lobo guará.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Bonne anne

Ano que começa estranho, atrapalhado, com perdas irrecuperáveis, já há muito anunciadas, porém só agora concretizadas; outras perdas que, na verdade, serão ganhos, e promessas de ventos desconhecidos. Eu preciso velejar!
Venha ano novo, venha ano bom.
Venha, tempo, traga seu peso, sua força.
Faça com que eu me lembre sempre de ser eu, e sempre de quem eu sou.
Senhor tempo que não pára, obrigada!
Você zera os seus ponteiros e começo a zerar os meus. E esse cheiro de recomeço no ar. Cheiro de novidade, visão de ciclos fechados, sentimento de feridas que não latejam mais.
Cheiro de mar, cheiro de 31 de dezembro, 0:00, olhando pro mar.
Iemanjá soprando amor ...
Cheiro de amor.
Amor que transborda, que é tão necessário. Amor.
Eu quero um ano novo, em que eu possa ser amante de tudo o que eu faça, e de todos que estiverem cá camigo.