segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Balzac, maluco beleza


Quando não se tem nada por “obrigação” a fazer lá na Letras e, coincidentemente, for uma terça ou uma quinta, é sempre válido passar pela sala 170. Você aponta na porta, dá uma espiada pra ver se sobrou algum lugar, e logo ele te convida a entrar. Não importa se você está ou não matriculado no curso. Será sempre bem vindo. Ele é o Pasta, ou o Zé, para os que têm intimidade. José Antônio Pasta Jr. é figura enigmática e amada por lá. Muitos dizem que parece o Baudelaire. E parece mesmo. Olhos azuis que brilham de entusiasmo falando de Goethe, Proust, Schiller e até de Alencar. A roupa sempre preta, o rosto pálido como o de um europeu, os lábios finos com um meio sorriso. Mas este post não foi pensado para falar do Pasta. É difícil resistir, mas ele merece (e fico me devendo) um post à parte. A idéia é falar sobre a aula a que assisti nessa última semana. O curso é sobre Romantismo, que, aliás, eu já havia feito no ano passado. Sabia mais ou menos o que viria pela frente. Importância de Alencar, o projeto nacionalista do Romantismo brasileiro, a estética importada da França e adaptada (mal, inicialmente) à matéria local, o descompasso apontado por Roberto Schwarz, e por aí vai. Acontece que nessa última aula do curso, o Pasta resolveu brindar os seus convivas com uma historinha sobre ninguém menos que Honoré de Balzac, o criador de As ilusões perdidas e de toda uma Comédia Humana. O Pasta nos falou, com citações em um francês perfeito (com aquele u que é quase um iu), traduzindo depois para “língua de gente”, como ele gosta de dizer em seguida, só pra não parecer esnobe, como o autor de romances celebérrimos se tornou o maior escritor de todos os tempos. Em um belo dia, Balzac chegou à casa de sua irmã, numa vila qualquer de Paris, todo esbaforido, dizendo que estava se tornando um gênio. Não um gênio qualquer, mas o quarto gênio da humanidade (Napoleão, Georges Couvier e Daniel O’Connel seriam os outros três)! Segundo o Pasta, a irmã do Honoré deve ter ficado de cabelos em pé, enquanto o mano, já não podendo se aguentar com a sua própria enormidade, revirava os olhos e babava, já pronto para entrar na camisa de força. Tirando os exageros e o folclore da interpretação, o Pasta tem razão quando diz que o sonho de todo louco é ser Napoleão. O fato foi que Balzac percebeu que com os quase cem romances que tinha escrito, já havia despido toda a sociedade pós-revolução. Os seus mil personagens poderiam ser deslocados para qualquer ponto de sua obra. As relações de poder e sexo estavam todas ali. A sociedade burguesa estava bem representada. E assim, ele resolveu batizar o conjunto de sua obra de Comédia Humana. Coincidentemente (quem acredita?), um fiorentino, lá no comecinho do séc. XIV, também havia escrito uma comédia, só que uma comédia divina, La Divina Commedia. A comédia humana de Balzac, além de preciosidade literária, é também uma atualização histórica. O que Balzac fez não foi pouca coisa, afinal ninguém é mais burguês que o pai de sua Eugênia Grandet. Na escultura que Rodin fez para retratá-lo, Balzac aparece com uma capa que se confunde com o seu corpo, dando-lhe dimensões abarcadoras. Uma boa imagem para a sua voracidade e obstinação. Na definição precisa do Pasta, Balzac era um gigante cambaleante. E para quem, assim como eu, acha que não vai dar tempo de ler os cem, escolhidos pelo Pasta como imperdíveis são o já citado As ilusões perdidas e Pai Goriot.

2 comentários:

CaraMela Amendola disse...

Oi, Lu.

Eu tinha colocado um comentário, sobre o Pasta. Você não gostou?

Acho, como você, fantástico o Pasta. Ele realmente "encanta" os alunos.

Bem, este espaço é seu. Se amanhã o comentário não estiver mais aqui, é que você não quer mesmo.

CaraMela.
caramelamendola@uol.com.br
Sampa, 30 de março de 2008.

Angelica disse...

Tive o prazer de assistir aulas do Pasta tb. Um genio, como poucos, pela profundidade, pela simplicidade e pela angustia q nos gerava para não "engolirmos" o q nos era apresentado, mas ruminarmos, digerirmos... Saudades eternas e a torcida para q muitos outros possam ter essa mesma oportunidade. Imprescindível.