sexta-feira, 29 de junho de 2007

Du vin

Eu sempre percebi que o vinho exerce um poder especial sobre mim. É mais que um efeito de embriaguez, uma euforia ou melancolia alternadas. É um pouco disso também, mas sobretudo, um efeito de expurgo. Ontem achei que só uma taça de vinho me salvaria. Tiraria de mim uma tristeza antiga, já quase cristalizada. Tomei a providência. Tomei o vinho. Em poucos minutos, meu rosto estava lavado de um choro bem-vindo, um choro de triste prazer. Um choro que me deixou livre, limpa, descansada. E agora, pensando em escrever sobre o vinho, e sabendo da minha incompetência para tal, pensei em Baudelaire. Acho que, pelo menos, pensei bem. O poeta que escreveu sobre o vinho dos solitários, dos amantes e até dos assassinos, revelou, num canto, L'âme du vin (a alma do vinho):

Cantava a alma do vinho à tarde nas botelhas:
"Homem, eu ergo a ti, que és deserdado e triste,
De minha prisão vítrea e de ceras vermelhas,
Um canto fraternal que só de luz consiste!

Sei de quanto precisa a colina acendida
De amargura, de suor e do sol mais ardente
Para que esta alma seja e que eu palpite em vida;
Mas eu nunca serei ingrato ou inclemente,

Sempre sinto prazer imenso quando desço
Uma garganta humana usada de refregas,
Sempre um cálido peito é um sepulcro sem preço
Em que eu vivo melhor que nas frias adegas.

Ouves dominicais refrões bem como a Graça
Da esperança que vibra em meu seio fremente?
Apóia as mãos à mesa, as mangas arregaça,
Glorifica-me após e serás mais contente.

Acenderei o olhar de tua bem-querida;
Ao teu filho darei os músculos e as cores,
Serei para este fraco atleta desta vida
Óleo a robustecer bíceps de lutadores.

Eu tombarei em ti, vegetal ambrósia,
Precioso grão que atira o eterno Semeador,
Para que nosso amor desemprenhe a Poesia,
Brotando para Deus como uma rara flor!"

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