domingo, 24 de agosto de 2008

De toda cor

Esperar eu espero. Mas, às vezes, me pergunto: tem que ser assim? Provação, necessidade, desperdício? Sei não. Sei que é difícil. Eu aqui, você aí - alguém tá no lugar errado. Não tem telefone, nem câmera que me faça apagar essa falta. Ausência é mais do que não ter a voz, a imagem, uma carta escrita. Ausência que dói mesmo é daquilo que nem bem se materializa. É do que eu sinto quando acordo e me descubro aconchegada na tua pele quente. É de quando percebo um teu sorriso novo, numa situação banal. É de ouvir da tua boca aquilo que eu acabei de pensar. É de achar o café mais gostoso, o tempo mais ameno, a música mais bonita, quando estamos juntos. Ai, meu samba anda tão chorado! Falta de ver o mundo cor de rosa? Quase isso. Acho que é falta de saber que o mundo não é cor de rosa, mas pode ficar, de vez em quando. É falta de sair do teu lado pra respirar a solidão e tomar fôlego pra voltar e querer ficar. É tanta coisa. A tua ausência é o oposto da tua presença, que é oposto do escuro, do susto, do amargo. A tua presença é o que eu desejo agora e o que eu quero desejar pra sempre.
*
A tua presença
Entra pelos sete buracos da minha cabeça
A tua presença
Pelos olhos, boca, narinas e orelhas
A tua presença
Paralisa meu momento em que tudo começa
A tua presença
Desintegra e atualiza a minha presença
A tua presença
Envolve meu tronco, meus braços e minhas pernas
A tua presença
É branca, verde, vermelha, azul e amarela
A tua presença
É negra, negra, negra
A tua presença
Transborda pelas portas e pelas janelas
A tua presença
Silencia os automóveis e as motocicletas
A tua presença
Se espalha no campo derrubando as cercas
A tua presença
É tudo que se come, tudo que se reza
A tua presença
Coagula o jorro da noite sangrenta
A tua presença
É a coisa mais bonita em toda a natureza
A tua presença
Mantém sempre teso o arco da promessa
A tua presença
Morena, morena, morena ... morena
*
(A tua presença morena - Caetano Veloso)

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Carta Aberta

Hoje recebi uma linda carta de amor. E quero respondê-la aqui. Não na íntegra, mas uma pequena parte. Por quê? Porque estive pensando que as pessoas que escrevem publicamente, ainda que em um canto escondido e quase anônimo como este, o fazem não por necessidade de aprovação, admiração, ou coisa parecida. Penso nos blogues de amigos e desconhecidos que acompanho com carinho, e, mais que isso, com gratidão. Sim, taí um "ão" que faz a diferança! Uma poesia de um aqui, uma frase inspiradora de outro acolá ... Quantas vezes não salvaram meu dia, me acalentaram o espírito, me trouxeram esperança, ou simplesmente me fizeram rir e enxergar tudo de um jeito mais leve? Então, acho que nisso está a verdadeira intenção do que fazemos: quem sabe ter a sorte de afagar um transeunte qualquer. Compartilhar indignação, frustração, tristeza, angústia, alegria, decepção, ternura, ou seja, um pouquinho de humanidade.
E assim, justifico minha decisão de postar parte de uma reposta a uma carta de amor; afinal, o amor será sempre o melhor que teremos a compartilhar.

Meu amor, sua carta me trouxe belas palavras, muitas aflições, algumas preocupações. Você falou sobre a sua confiança no nosso encontro e no que você espera poder representar pra mim. Preocupação acertadíssima, mas desnecessária. Você já representa muita coisa. Representa a possibilidade de realização dos meus sonhos mais sinceros, dos meus desejos mais secretos. Sinteticamente, posso dizer, a oportunidade de cuidar do essencial. E o que é essencial? Aprender e ensinar. "Aprender, servir e ajudar", você disse. Viu como pensamos parecido? Você falou tanto na sua vontade de corrigir suas imperfeições. Sabe, desde que tenho você comigo, também lido bem mais de frente com as minhas imperfeições. Não só porque a sinceridade é sua pior qualidade e seu melhor defeito, mas porque o amor nos põe à prova o tempo todo, revelando-nos o nosso egoísmo, os nossos medos, as nossas carências, as nossas necessidades nem sempre saudáveis. Não seria exagero dizer que o amor desvela o que há de melhor e pior em nós. Estamos bem longe de amar platonicamente, amar desprendidamente, desejando essencialmente o bem do outro. Amamos e queremos o nosso próprio bem, o bem que o outro nos provoca. Por isso, o melhor que você poderia significar pra mim é a certeza de que quero, sim, fazer esse exercício de amar verdadeiramente, e não egoisticamente. Você me ensina muito e sempre. Por exemplo, já aprendi que acordar do teu lado me faz ter mais confiança de que é possível melhorar muita coisa nesse mundo maluco. Você me ensina a dirimir meus preconceitos bobos, das formas mais improváveis. Quando declama os poetas que eu amo e não rejeita os livros que eu desprezo. Quando pega Pasolini e algo como "Duro de Matar" na locadora e me pergunta o que vamos ver primeiro. Quando me faz ouvir e gostar, na mesma semana, de Uakiti e Amy Winehouse (só com muito amor mesmo! rs). Quando me faz ter vontade (bem incipiente, mas ...) de voltar a estudar inglês, enfim ... E por que mais eu quero tanto aprender a "amar certinho"? Porque você olha para todas as crianças, como se cada uma fosse a mais especial. Porque você ama com o coração transbordando. Porque você não dá sobras; você se dá inteiro. Porque você não tem medo de amar. Porque você tem medo de viver sem amor. Porque você me faz querer ser a melhor mãe do mundo. Porque você ri quando eu quero chorar e chora quando eu quero rir (isso não é perfeito?). Porque você não permite que eu fique emburrada por mais de 24 horas (precisamos negociar esse tempo). Porque a sua sensibilidade não me alcança quando eu acho que preciso, mas me enxerga no escuro, quando eu menos espero. Porque você não sabe tudo sobre mim e isso me faz continuar a ser eu. Porque você quer saber mais sobre mim e isso vai fazer com que sejamos cada vez mais "nós". Porque você me ensina o que eu teimo em não querer aprender. E, claro, porque você me lembra que existem verbos que ninguém mais usa e me ensina alguns bons trajetos, o que faz com que eu me perca bem menos na Zona Oeste. rs. Viu, só? Eu bem que tento, mas meu amor continua sendo fundamentado num egoísmo abismal! Eu te amo por esse bem enorme que você me faz. Mas também porque eu acredito na sua proposta de evolução. Afinal, deve ser verdade o que dizem os livros de auto-ajuda: "Casais inteligentes enriquecem juntos". E sei que o nosso enriquecimento não tem a ver com contas polpudas, carro importado, viagens exuberantes. O que há de mais exuberante já temos. E eu te amo porque você me trouxe de volta uma esperança que eu havia perdido: a de que é possível viver e buscar o bem comum. Não importa o que faremos de efetivo, ou se o que faremos será efetivo (reciclaremos nosso lixo? economizaremos água? plantaremos algumas mudas? ensinaremos nossos filhos a respeitarem o planeta e o semelhante incondicionalmente? cuidaremos e ensinaremos crianças que não gerarmos?). Sinto que qualquer coisa que eu fizer contigo será capaz de germinar. E essa é a melhor resposta que consigo te dar nesse momento: a minha confiança. Meu amor, eu quero a sua ajuda. Para aprender sempre mais, para amar de um jeito cada vez mais verdadeiro e, principalmente, para que, juntos, possamos fazer valer a nossa existência.

sábado, 16 de agosto de 2008

Amar em paz

Chegou, sorriu, venceu depois chorou
Então fui eu quem consolou sua tristeza
Na certeza de que o amor tem dessas fases más
E é bom para fazer as pazes, mas
Depois fui eu quem dela precisou
E ela então me socorreu
E o nosso amor mostrou que veio prá ficar
Mais uma vez por toda a vida
Bom é mesmo amar em paz
Brigas nunca mais

(João Gilberto - Brigas Nunca Mais)

sábado, 9 de agosto de 2008

Ele

Ele sabe dos caminhos dessa minha terra
No meu corpo se escondeu, minhas matas percorreu
Os meus rios, os meus braços
Ele é o meu guerreiro nos colchões de terra
Nas bandeiras, bons lençóis
Nas trincheiras, quantos ais, ai

Cala a boca - olha o fogo!
Cala a boca - olha a relva!
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara

Ele sabe dos segredos que ninguém ensina
Onde guardo o meu prazer, em que pântanos beber
As vazantes, as correntes
Nos colchões de ferro ele é o meu parceiro
Nas campanhas, nos currais
Nas entranhas, quantos ais, ai

Cala a boca - olha a noite!
Cala a boca - olha o frio!
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara

(Chico Buarque / Rui Guerra)

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Cheiro de flor


Hoje, na Casa das Rosas, não havia nenhuma. Estranhei o jardim deserto. Depois me lembrei: não é mesmo tempo de rosas. E tenho percebido isso melhor do que ninguém. Mas sei que há brotos prontos para florescer. Que setembro venha logo e traga a primavera! Quero as rosas que você plantou em mim. Chega de ser espinhada pela saudade! Quero o perfume doce de flor bem no meu nariz. E a maciez das pétalas na minha pele. Você disse que a vida é difícil sem pontuação. Vejo que é o contrário. Como doem essas pausas longas, tantos pontos de interrogação (apesar de uma certeza absoluta, insuperável). Ponto final, então, pra quê? Não podíamos deixar a vida simplesmente correr, indefinidamente? Mas sem ponto não se muda de parágrafo, nem de história. Com você eu só quero reticências. Quero uma primavera inteira, todas as estações, e posso deixar as rosas pra depois. Agora eu tô de olho mesmo é numa vitória- régia. Aliás, que bobagem o nome homenagear rainha inglesa. Uapé é tão mais bonito! Bonito como o meu sorriso perto do teu. Eu vou. Quero deitar numa uapé contigo e me inundar de exclamações.