Há exatamente um ano atrás, eu vivi o momento mais triste da minha vida. O momento que eu sempre temi e que eu sempre afastava do pensamento, tentando fazê-lo parecer remoto. Perder a minha avó foi perder a minha melhor amiga da infância. Dona Maria não era só uma avó permissiva, que me deixava fazer travessuras e comer doces, ao invés de legumes. A minha avó participava das brincadeiras comigo e gostava, tanto ou mais do que eu, de todas as tranqueiras que dizem que as crianças não devem comer. Ela era a boneca em quem eu experimentava penteados, a vítima das minhas comidinhas de água e pedrinhas, minha entrevistada constante e favorita, além de jurada dos "espetáculos" que eu, minha irmã e minha prima inventávamos. Sua penteadeira (só as avós têm penteadeiras) era o meu brinquedo mais divertido. Tirava tudo do lugar e dispunha cada vidro, cada objeto, do jeito que eu bem entendesse, sem que ela se queixasse ou ralhasse comigo. Ela adorava quando eu ia na vendinha e voltava toda feliz, munida de suspiro cor de rosa, doce de abóbora de coração, pés de moleque ... Antes de ser a avó protetora, Dona Maria era a amiga cúmplice. Em junho, me ajudava a fazer cola de farinha para pendurar bandeirinhas pela casa inteira e, depois, levava sozinha, todas as broncas dos adultos - esses seres incompreensivos e estraga-prazeres. À noite, quando eu teimava em ficar acordada, ela me contava histórias que nada tinham a ver com fábulas infantis. Eram histórias meio trágicas, de gente real, que ela ouvia no rádio, e depois recontava, carregando no suspense. Eu ficava vidrada, querendo saber o final, e ela saboreava a minha impaciência. Um dia, rimos horas e horas de uma bobagem que vimos na TV. Ninguém achou a menor graça, mas eu e minha amiga nos contorcíamos com dor na barriga, de tanto achar engraçado. Foram tantos bolinhos de chuva, pipocas, cocadas que dividimos ... Tanta alegria que compartilhamos! Quando eu me machucava ou ficava com febre, era sempre a minha mãe que eu queria; afinal, nesses momentos, sempre queremos a proteção de gente grande. Depois que eu cresci, a distância surgiu. Eu deixei de gostar daquelas brincadeiras, daquelas guloseimas. E minha amiga continuava ali, criança, no seu corpo de setenta e tantos anos. Na tarde em que minha mãe ligou pra dizer que a minha melhor amiga da infância estava muito doente, andando pela rua, eu senti o asfalto sumindo sob os meus pés. Entendi o significado da palavra "desnorteada". E na noite do dia 22, quando me ligaram do hospital dizendo que ela havia partido, chorei várias perdas diferentes: a avó querida, a amiga companheira e a infância de doces baratos e brincadeiras improvisadas que ficava, definitivamente, para trás.
Coincidentemente, acabo de reler O Pequeno Príncipe, esse clássico da literatura infantil tão necessário aos adultos de hoje. A minha avó nunca leu O Pequeno, mas na sua perspicácia de mulher humilde, entendeu que a lógica dos adultos não fazia sentido. Por isso, escolheu viver como criança, cativando todos que passaram pela sua vida. No livro, a partida dos amigos é sempre motivo de tristeza. Mas sempre uma tristeza consolada pela certeza de que uma vez cativados, os amigos se conectam para sempre.
Talvez eu precise olhar mais pro céu, à procura de rosas preciosas.
Um comentário:
Querida Lu, tudo bem?
Passo muito por aqui, embora nem sempre comente. Mas me delicio com seus escritos todas as vezes. Nesse você, de novo, me pegou de jeito, me fazendo lembrar também um pouco das minhas avós - que não eram assim molecas como a sua, mas, em seus jeitos e trejeitos, também marcaram minha vida para sempre. Minha avó materna, especialmente, é tema recorrente de várias histórias e recordações minhas. E olha que ela não era de muito falar; mas muitas vezes as pessoas não têm noção de como, até em silêncio, podem marcar as nossas vidas.
A respeito disso, escrevi há algum tempo também um post no Lua, que gostaria de compartilhar contigo. Está aqui: http://lualigeira.blogspot.com/2006/12/j-dizia-minha-av-o-novo-se_116558025125531378.html
Como é um pouco antigo, já anda meio esquecido no meio dos arquivos, hehe. Mas foi inspirado em lembranças que guardo com carinho. Espero que goste!
Beijos!
Juju
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