sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Tudo

Um beijo,
Um aconchego,
Um abraço apertado
Tá tudo tão guardado
Tudo esperando você chegar

Um cheiro,
Um gracejo,
Um olhar demorado
Tá tudo tão ansiado
Tudo esperando você gostar

Um copo,
Um prato,
Um arranjo aprumado
Tá tudo em volta perfumado
Tudo esperando você ficar

Um afago sem braços
O peito arquejado
E o coração insistindo, cansado
Na esperança de você chegar,
gostar,
ficar
e me Amar

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Todo que necesito decir

O Sono

O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim —
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.

Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
É o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.

O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.

Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.
De quem?,
Pergunta a minha indiferença.
E tudo isso é sono.

Meu Deus, tanto sono! ...

(Álvaro de Campos)

sábado, 22 de setembro de 2007

Provisório

O crachá dizia: PROVISÓRIO. Riu sozinho da coincidência. Há muito tempo se sentia assim. Como a psicóloga do RH conseguiu captar naquela curta entrevista aquilo que nem ele sabia explicar? Coincidência, claro. O emprego recém-adquirido ainda lhe causava estranhamento, quase aversão. Era, na verdade, uma tentativa de frear a sua itinerância pelo mundo: barman em Chicago, estivador em Padang, cozinheiro em Hanover, motorista em Adana, quase toureiro em Madrid. E agora, estava de volta à cidade onde nasceu, cresceu até ser menino e de onde, depois, fugiu. De terno e gravata, atrás de uma mesa fria, no metro quadrado que lhe cabia, apartado dos demais por um negócio chamado drywall. Tinha visto tanta encrenca pelo mundo, disputa por espaços, necessidade de legitimação ... E sentia uma ponta de orgulho, que nunca ostentava, por ter nascido em um país em que as pessoas só brigavam por ser Vasco ou Flamengo, Portela ou Mangueira, petista ou tucano. Mas ali, no mundo corporativo, tudo era ordenadamente dividido. Sua peregrinação começou aos 16 anos, quando saiu com uma mochila e alguns trocados economizados do primeiro emprego, disposto a encontrar o pai. A mãe, que não se conformava com o abandono, buscava nas garrafas de uísque barato um consolo não menos vulgar. A única forma de trazer a mãe de volta seria ir atrás do pai. Tinha poucas pistas. De carona em carona, chegou ao interior do país, seguindo, instintivamente, um trajeto que ninguém tinha traçado. Chegou à casa de uma tia da tia, que há muitos anos não tinha notícias do Paulo. O primeiro fracasso arruinou seu projeto. Sua disposição ao sair de casa, não tinha a menor convicção. Apenas precisava fazer alguma coisa; salvar a sua mãe. Nunca sentiu falta do pai. Na rodoviária, entrou em um ônibus para o Sul. Resolveu salvar a si mesmo. Desobrigando-se de encontrar o pai, deixou-se perder. Não sabia para onde queria ir, apenas que não ficaria, nem poderia voltar. Conheceu os quatro cantos do mundo, aprendeu doze idiomas, comeu de tudo e, muitas vezes, ficou sem comer. Nunca guardava dinheiro. Em cada um dos continentes, encontrou os irmãos que não teve. Gostou de algumas mulheres e se apaixonou por uma ruiva metida a zen, que conheceu num pub sujo em Durham. Por causa dela, até quis estancar seus passos, mas não tinha paciência para sexo tântrico. Seguiu. Pensava nela, às vezes. Muitos anos depois do ônibus sacolejante, um telefonema o trouxe de volta. O último postal remetido à mãe informava sua localização. Ela estava mais doente. Não tinha ninguém. Ele, que tinha o mundo, resignou-se. Mas não chegou a tempo. Nem pra chorar, nem pra se culpar. Repondo a vida na mochila, teve uma crise de destino e quis ficar. E descobriu rápido que, para ficar, precisaria de mais dinheiro do que para ir. O aluguel, os impostos e o contato distante com o mundo que ficava longe exigiam dele uma renda fixa. Não tinha formação escolar superior, mas era o único dos 130 candidatos que falava mandarim. Ganhou o emprego. Mas as perdas lhe custavam. No refeitório reservado aos funcionários administrativos - mais uma extravagância do apartheid empresarial - outros colegas tinham no crachá a mesma inscrição: PROVISÓRIO. Mas, diferentes dele, tinham os pés bem fincados naquele paviflex esverdeado. E dariam o melhor de si, exatamente como prometeram no dia da entrevista, para ali continuar. Com o fim do almoço, a conversa girava em torno das dificuldades do mercado de trabalho e da vida familiar. Pela primeira vez, desde que deixou a mãe, se sentiu sozinho. No final da tarde, foi chamado ao RH. A moça loira simpática lhe pediu para assinar um monte de papéis, que formalizavam sua admissão. Com duas toneladas nas costas, rabiscava o nome sem ler. Ao término de algumas explicações sobre datas de pagamento e previdência social, a nova colega sentenciou, tranqüilamente: “Aqui está o seu crachá definitivo. Por favor, devolva-me o provisório”. Definitivo? Sem saber direito o que aquilo significava, mas angustiadamente desconfiado, obedeceu. Saiu da sala, olhando para a foto expressa. O fundo branco, sem nenhuma das muitas paisagens que conhecia. Abaixo da foto, em letras garrafais, o seu nome. Tremendo de aflição, lavou o rosto no sanitário funcional masculino. Acabava de entender. Não era mais provisório. Era apenas o Eduardo.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Vide, vuoto

A semana inteira andando em passos lentos. Um dia e mais outro. Tudo, tudo muito igual. Manhãs compostas de sono. Tardes rarefeitas de tédio. Noites empenhadas com vestígios de atenção. Até uma e quinze da manhã. Até o momento de fechar os olhos e não sentir mais falta. Não sentir mais fome. Não sentir calor, nem frio. Momento de fechar os olhos e esquecer que mais um dia passou. Sem nenhuma flor.

Vacío

"Saudade
Saudade de um grande amor
Que eu não tive
Eu preciso te encontrar ..."

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Entre beijos e pizzas

Pois é, não deu. Renanzinho continua lá, todo pimpão, presidente da Casa, representante dos representantes do povo. Não vou dizer que isso me deixa com vergonha de ser brasileira e blábláblá. Brasileiros somos muito mais do que isso. Muito mais do que um conchavo sujo e alianças espúrias. Muito mais do que os 8 mentirosos que declararam ter votado a favor da cassação e que os 40 cúmplices descarados. Muito mais do que a "força" dada ao "réu" pela senadora Roseana Sarney, que só faltou embalá-lo nos braços. Bem mais até do que o vexame do senador Mercadante (absteve-se por quê?). Mais ainda do que os outros petistas que até agora não revelaram o voto. Senador Suplicy, obrigada por não frustrar minhas expectativas em relação ao seu caráter! Deputado Gabeira, valeu mesmo ter se desculpado com um beijo pelo "soco" sem querer no interino presidente Tião. Vocês quase salvaram o meu dia. Mas nós brasileiros somos muito mais do que um rodízio de pizza e vamos adiante. Nós, paulistanos, apesar da sopa rala do prefeito Kassab.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Fruição

"Llegó, por fin, una mañana en que se le desprendieron a Ramiro las escamas de la vista y, purificada ésta, vio claro con el corazón. Rosa no era una hermosura cual él se había creído y antojado, sino una figura vulgar, pero con todo el más dulce encanto de la vulgaridad recogida y mansa; era como el pan de cada día, como el pan casero y cotidiano, y no un raro manjar de turbadores jugos. Su mirada, que sembraba paz, su sonrisa, su aire de vida, eran encarnación de un ánimo sedante, sosegado y doméstico. Tenía su pobre mujer algo de planta en la silenciosa mansedumbre, en la callada tarea de beber y atesorar luz con los ojos y derramarla luego convertida en paz; tenía algo de planta en aquella fuerza velada y a la vez poderosa con que de continuo, momento tras momento, chupaba jugos de las entrañas de la vida común ordinaria y en la dulce naturalidad con que abría sus perfumadas corolas. ¡Qué de recuerdos! Aquellos juegos cuando la pobre se le escapaba y la perseguía él por la casa toda fingiendo un triunfo para cobrar como botín besos largos y apretados, boca a boca; aquel cogerle la cara con ambas manos y estarse en silencio mirándole al alma por los ojos y, sobre todo, cuando apoyaba el oído sobre el pecho de ella, ciñéndole con los brazos el talle, y escuchándole la marcha tranquila del corazón le decía: ¡Calla, déjale que hable!. "
(Fragmento de La tía Tula, de Miguel de Unamuno)

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Balzac, maluco beleza


Quando não se tem nada por “obrigação” a fazer lá na Letras e, coincidentemente, for uma terça ou uma quinta, é sempre válido passar pela sala 170. Você aponta na porta, dá uma espiada pra ver se sobrou algum lugar, e logo ele te convida a entrar. Não importa se você está ou não matriculado no curso. Será sempre bem vindo. Ele é o Pasta, ou o Zé, para os que têm intimidade. José Antônio Pasta Jr. é figura enigmática e amada por lá. Muitos dizem que parece o Baudelaire. E parece mesmo. Olhos azuis que brilham de entusiasmo falando de Goethe, Proust, Schiller e até de Alencar. A roupa sempre preta, o rosto pálido como o de um europeu, os lábios finos com um meio sorriso. Mas este post não foi pensado para falar do Pasta. É difícil resistir, mas ele merece (e fico me devendo) um post à parte. A idéia é falar sobre a aula a que assisti nessa última semana. O curso é sobre Romantismo, que, aliás, eu já havia feito no ano passado. Sabia mais ou menos o que viria pela frente. Importância de Alencar, o projeto nacionalista do Romantismo brasileiro, a estética importada da França e adaptada (mal, inicialmente) à matéria local, o descompasso apontado por Roberto Schwarz, e por aí vai. Acontece que nessa última aula do curso, o Pasta resolveu brindar os seus convivas com uma historinha sobre ninguém menos que Honoré de Balzac, o criador de As ilusões perdidas e de toda uma Comédia Humana. O Pasta nos falou, com citações em um francês perfeito (com aquele u que é quase um iu), traduzindo depois para “língua de gente”, como ele gosta de dizer em seguida, só pra não parecer esnobe, como o autor de romances celebérrimos se tornou o maior escritor de todos os tempos. Em um belo dia, Balzac chegou à casa de sua irmã, numa vila qualquer de Paris, todo esbaforido, dizendo que estava se tornando um gênio. Não um gênio qualquer, mas o quarto gênio da humanidade (Napoleão, Georges Couvier e Daniel O’Connel seriam os outros três)! Segundo o Pasta, a irmã do Honoré deve ter ficado de cabelos em pé, enquanto o mano, já não podendo se aguentar com a sua própria enormidade, revirava os olhos e babava, já pronto para entrar na camisa de força. Tirando os exageros e o folclore da interpretação, o Pasta tem razão quando diz que o sonho de todo louco é ser Napoleão. O fato foi que Balzac percebeu que com os quase cem romances que tinha escrito, já havia despido toda a sociedade pós-revolução. Os seus mil personagens poderiam ser deslocados para qualquer ponto de sua obra. As relações de poder e sexo estavam todas ali. A sociedade burguesa estava bem representada. E assim, ele resolveu batizar o conjunto de sua obra de Comédia Humana. Coincidentemente (quem acredita?), um fiorentino, lá no comecinho do séc. XIV, também havia escrito uma comédia, só que uma comédia divina, La Divina Commedia. A comédia humana de Balzac, além de preciosidade literária, é também uma atualização histórica. O que Balzac fez não foi pouca coisa, afinal ninguém é mais burguês que o pai de sua Eugênia Grandet. Na escultura que Rodin fez para retratá-lo, Balzac aparece com uma capa que se confunde com o seu corpo, dando-lhe dimensões abarcadoras. Uma boa imagem para a sua voracidade e obstinação. Na definição precisa do Pasta, Balzac era um gigante cambaleante. E para quem, assim como eu, acha que não vai dar tempo de ler os cem, escolhidos pelo Pasta como imperdíveis são o já citado As ilusões perdidas e Pai Goriot.