Mas será que eu tenho um fundo? Hoje, especialmente, me sinto tão vazia. Pouca carne, muitos ossos, sinto-me feita de arame farpado. Ou cerca elétrica. Dessas que dão choque a menor triscada. O que está no fundo, quando está, não tem descrição, não é palpável, desentranhável. É um amontoado das coisas mais miseráveis, extraordinárias e bizarras, como as que a gente encontra em um circo: acrobacia, tristeza de palhaço, bicho maltratado, mágica pra sobreviver, fantasia pra existir, um caos de máscaras e riscos, esperando um único aplauso. Se eu cair do trapézio, alguém vai dizer que eu preciso de cuidados. Mas se eu ficar lá, balangando de um lado pro outro, ninguém vai saber da minha tortura, dos meus medos, da minha eterna roleta-russa, nada. Eu vou estar de maiô com lantejoulas e rouge na face. Perfeito. Nem remédio, nem cuidados, só aplausos. Eu tenho medo de trapézio, por mais que me alimente do frio na espinha, quando passo de uma barra pra outra. É isso então? No fundo, no fundo, eu sempre soube que a vida é essa coisa meio mambembe, meio capenga, mas serei condenada ao paredão dos infelizes, se não disser que é um grande espetáculo. Não importa se o leão está velho e nem ruge mais. Se as piadas do palhaço soam mais tristes que seu sorriso desenhado. Se a pipoca está murcha e fria. Sob a grande lona só vale a alegria. Alegria, alegria, vamos comprar nossos ingressos e dar uma bela gargalhada. Dentro do meu picadeiro tem um canto escuro, onde eu posso me vestir de Luciana e não me regozijar com o erro do atirador de facas. No fundo, no fundo, só tem uma coisa: um grande susto de viver.
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
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Um comentário:
Nossa, Lu! Que saudade de ler sua literatura! E que lindo texto! Me tocou fundo... Lembrei do Miguilim ... "A gente - essas tristezas".
Beijo grande!
Mô
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