Ela estava enlouquecida, destroçada, desorientada. Não comia, não trabalhava direito, não asssistia ao noticiário. Só queria uma coisa: que ele voltasse. E com aquela sua força anêmica, faria o que fosse para tê-lo de novo. Mariana era doce. E brava. Seus 27 anos haviam lhe ensinado pouco sobre o amor. Mas ela não queria aprender, só queria viver. Com ele, pra ele, por ele. Carlos chegou num domingo, meio sem jeito, logo pela manhã e sem beijá-la disse: “Não dá mais”. Ela não entendeu, não poderia jamais entender, e replicou: “O que não dá mais, meu amor?”. “Eu e você. Não dá mais. Adeus.” Paralisada, ela deixou que ele atravessasse o corredor, abrisse o portão e saísse. Um grito percorreu-lhe a espinha. Não saiu pela garganta. Tentou o celular; ele voltaria e explicaria aquele disparate. O aparelho estava programado para não receber suas ligações. A porta da casa dele não mais se abriria para ela. Mandou emails, cartas. Nenhuma resposta. Fez plantão na porta da empresa e ele não pôde fugir. “Estou apaixonado por outra, estamos juntos. Não tem volta.” O grito contido, dessa vez, saiu. Junto com tapas, socos, saliva, palavrões, lágrimas, muitas lágrimas. Ele tentou detê-la, mas vendo que era impossível, se esquivou e a deixou só, com todo o seu ódio, sua decepção, seu amor. A família de Mariana não sabia mais como implorar pra que ela parasse de se rastejar por aquele maldito homem, que a roubara de todos. Sua mãe fazia novenas, rezas, simpatias. Ela mesma apelou para o sobrenatural. Foi num mandingueiro que prometia trazer a pessoa amada de volta, em 24 horas (se fosse da Grande São Paulo, claro). Mais de 24 semanas se passaram e Mariana era só lamento, amargura, saudade. Não entendia por que o queria tanto, mas sabia que não desistiria. Uma amiga que morava no exterior a convidou para uma temporada. Novos estudos, novas pessoas, quem sabe um novo amor. Nada a dissuadia. Era ele, Carlos, o homem com quem fez os planos mais lindos da sua juventude, que lhe mandava flores em datas especiais, que pegava seus sobrinhos no colo, o seu único e possível desejo. No terreiro de Mãe Zezinha, os búzios alertaram: “Você é filha de Iemanjá, ainda vai sofrer muito de amor!” Mariana foi ao mar, levou flores brancas, pulou as sete ondas e pediu a sua mãe que tivesse compaixão dela, que devolvesse o seu homem. Iemanjá talvez estivesse muito ocupada. Carlos foi à polícia dar parte de Mariana. Não suportava mais suas perseguições, ameaças, sua falta de amor próprio. No início, ele ainda sentiu-se envaidecido. Mas agora tinha mesmo muita raiva dessa desvairada que não o deixava andar com sua Ritinha pelo parque, impunemente. Se Iemanjá não a ajudava, só restava a Mariana solicitar socorro a uma entidade mais mundana. De volta ao terreiro de Mãe Zezinha, deixou tudo acertado: o despacho seria à meia-noite, da próxima sexta-feira, dia 13. Ela não entendeu por que a entidade havia exigido que fosse numa encruzilhada daquela zona de meretrício. Pouco importava. Iria até o inferno se lhe garantissem o sucesso da empreitada. Rosas vermelhas, perfume de gosto suspeito, cigarrilha, uma calcinha fio dental preta, saia rendada, champagne em uma taça colorida, pulseiras douradas. Estava tudo pronto, distribuído exatamente como mãe Zezinha orientava. “Agora fuma e bebe, minha filha. Foi isso que Maria Padilha mandou”. Mariana, mais uma vez, assentiu, sem questionar. “Sente o perfume da flor, põe a saia e gira sete vezes", ordenou a senhora. Terminado o ritual, Mariana deixou as oferendas e foi para casa. No dia seguinte, acordou sentindo-se estranhamente bem. Saiu da cama com um sorriso malicioso nos lábios, e depois de um banho de cheiros que ela não conhecia, pegou no armário um vestido curto, intato. Dispensou o sutiã e encaixou os seios pequenos, mas rijos, no decote. Salto alto e batom vermelho. Ao vê-la sair, a mãe perguntou se ela teria alguma festa naquele dia. Sem responder, soltou uma gargalhada estridente. Sentiu-se arrebatadoramente sensual. Os olhares que a seguiam até o ponto do ônibus comprovavam. O sorriso malicioso não saía dos lábios. Os olhares masculinos não desgrudavam do decote. Sem ódio ou saudade, seu coração estava limpo. Seu corpo estava tomado de desejo. Poucos dias se passaram e, sem que Mariana se lembrasse mais daquela encruzilhada, Carlos a procurou. Seguro, deixou recado em sua casa, para que ela retornasse. Mariana deu de ombros, quando a mãe, palpitante de felicidade, lhe contou sobre o milagre daquela aparição. Ninguém entendia nada. Do mesmo jeito que havia definhado de tristeza, Mariana agora desabrochava de beleza e vigor. Sua pele exalava cheiro de fruta, terra, mar, tudo misturado. Carlos a chamou no celular. Indiferente, Mariana não o atendeu. Também mandou bombons finos, que ela distribuiu entre as vizinhas de baia. Por fim, magro, abatido, desesperado, esperou-a no portão por onde havia saído há oito meses. Mariana não pôde fazer nada; não quis fazer. Mandou-o embora, sem sintoma de rancor ou piedade. Estava ocupada demais para recordar amores juvenis.
Devorando todos os homens que a encaravam com firmeza, ela, finalmente, o enterrou. Ainda lembrou do Carlos, certa vez. Na cama de um de seus amantes mais vorazes, primo do falecido, foi questionada sobre o fim daquela relação. Soprando a fumaça do cigarro para cima, olhar sacana, sentenciou: “Ele era broxa”.
Um comentário:
Lu, esse texto tá incrível... que ritmo, e que espírito! Perfeito, parabéns!
Tudo bem contigo? Agora tô de endereço novo, no Ipiranga... vamos combinar uma pizza com a Fê lá em casa?
bjos!
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