terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Oferta

Eu pensei que fosse fácil amar. E que difícil era não ter em quem me enroscar em tardes de chuva. Achei que o amor fosse doce. Porque o amargo da solidão eu tinha na ponta da língua. Pensei uma vida de sonho, uma casa irreal, onde coubessem um mais um, o cachorro amarelo e o almoço na mesa. O próprio comercial de margarina. Desejei entendimento, beijos apaixonados, sexo sem tédio, filhos a médio prazo. Abri mão do espaço que sobrava na minha cama, pra acomodar uma velhice de mãos dadas. Dei minhas mãos pra vida faz tempo. E agora, dei meus sonhos pra você. Mas você não quer sonhar os meus sonhos; prefere mastigar meus pensamentos, revirar meus sentimentos e eu pergunto: com que direito? Com que direito retorce os meus desejos, achados, quereres? Como chega com esse cheiro, esses dedos, tão sem medo, e desliga a minha fantasia? Eu nem sabia que era fantasia. Acreditei no impossível. Mas você veio cheio de raiva, amor, ternura, melancolia, dor e verdade, e despejou sua humanidade no meu cotidiano de espera. Sem a menor cerimônia, escava minhas feridas adormecidas com a displicência com que espreme os cravos da minha pele. Reverte os meus planos; os planos que fiz comigo mesma, sem levar em conta o que podia dar errado. E eu sinto falta da minha cama vazia, de me esconder dentro de mim, de ser alguém que espera e espera, sem se importar pelo quê. Sinto falta das perguntas que eu me fazia, porque meu silêncio sempre foi da boca pra fora. Indiferente, você muda minhas perguntas, questiona o meu discurso, faz com que eu ria de mim mesma. E me faz ver que o amor nem sempre é bonzinho, limpinho, bonitinho, asséptico. O amor tem vísceras e sangra. Enlouquece, suja e marca. Era isso que eu não sabia. E agora que eu sei, continuo querendo te amar. Mas, afinal de contas, com que direito você sai da minha cama, no meio da noite, reivindicando liberdade? Justo você que roubou minha guerra solitária, minha paz de mentirinha?! Continuo querendo te amar. Com que direito você faz meu peito sufocar, amar e odiar, num mesmo instante, sem nenhuma contradição? Continuo querendo te amar. Você não quer tanto saber o que eu penso? Com que direito? Com que direito quer invadir meus escombros, retirar, grão por grão, tudo isso que me preenche? E o que não enche? Meus abismos, quer pra você? Meu fosso, meus assombros, minhas náuseas? Isso eu jamais te darei. Fique com meu amor. Essa é a oferta do dia.

2 comentários:

Juliana disse...

Sabe, ontem li esse texto e tive muita vontade de deixar um comentário. Mas, quando cliquei aqui, simplesmente não sabia o que escrever. Acho que não há mais nada a dizer, depois de texto tão intenso e verdadeiro; então, só voltei aqui hoje pra comentar essa sua capacidade incrível de sintetizar em palavras todo o sentimento que a gente sente (redundante, mesmo) nesses momentos-chave da vida, em que, como diria Drummond, o verso está cá dentro e não sai, mas a poesia do momento inunda a vida inteira.
Beijos! E um Ano Novo com muita Felicidade em letra maiúscula!
da Ju

Anônimo disse...

Que lindo!

Apaixonante...

Eu te amo! Continuo.

Inescapavelmente!

T