quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Dilemas

A moça que faz minha sobrancelha é daquelas que aproveitam o cliente para um desabafo. Geralmente é o cliente quem aproveita a cadeira para chorar suas lamúrias. Enfim, sou boa ouvinte desde criancinha, quando ficava atrás da porta, escutando as conversas adultas entre minha mãe e minha avó. Já que eu não podia participar, o jeito era ouvir. O fato é que a Jucely, a moça que me salvou de ter a sobrancelha do palhaço, não deve estar num bom momento. Na antepenúltima feitura de sobrancelha, me perguntou se eu acreditava em Deus. Imagine que perguntinha fácil, ainda mais pra quem estava sendo tortutado por vontade própria. Engasguei, hesitei e, no fim, enrolei. Tudo isso porque ela queria me contar a experiência dela, de como Jesus adentrou seu coração. Por fim, fiquei sabendo que é testemunha de Jeová. Inteligente a Ju, boa argumentação, embora tenha dito que precisa estudar muito para poder explicar a forma como ela entende uma série de coisas. Quando eu perguntei sobre a proibição religiosa de doar e receber sangue, foi a vez dela me enrolar. Mas disse que, hoje, a medicina tá muito avançada, e que existem alternativas a transfundir o seu sangue com o de um estranho Ok, ok. É quase como dizer que antes não existia penicilina e todos os outros antibióticos. Na penúltima sessão tortura, a Ju estava impressionada com o que lhe havia dito o cliente matutino. Um tipo misterioso, que se achava o filósofo dos desesperados, uma espécie de Paulo Coelho dos salões de beleza. Instigou a Ju a pensar sobre sua vida, seu presente, passado e futuro. Disse-lhe que era uma pessoa eficiente, mas não eficaz, e perguntou se ela sabia a diferença entre os dois predicados. Fez a Ju pensar e vir ditar sua conclusão para quem mesmo? Não lembro exatamente o que foi, porque a dor me consumia. Hoje, querendo dar um jeito nessa minha aparência de mulher das cavernas, lá fui eu sofrer um pouquinho, expiar alguns pecados. Ju anunciou que, provavelmente, largará o trabalho. Está com muitos problemas pessoais, tem faltado bastante ao trabalho, precisa de colo de mãe, uma choramingueira de fazer dó. Eu disse que se ela estava sentindo essa necessidade deveria sim parar. O que mais eu poderia dizer? Perguntar se ela não tem conta pra pagar, se não precisa do emprego, se a vida não tá dura? Tem mais: a Ju acha que as colegas de trabalho não gostam dela e isso a faz sofrer. Também acha que a gerente é pouco flexível em entender seus problemas pessoais e ausências ao batente. É, moça sensível a Ju ...