terça-feira, 28 de agosto de 2007

quem dera ...

Frio. Sono. Quem dera um cafuné ...

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Enquadrada

Eu arrumei o quadro na parede
Eu não quero mais ficar,
mas centralizo o quadro na parede
Há muito tempo já não estou,
mas não aceito a assimetria
Nunca um quadro torto na parede
Por mim, já teria ido
Estaria longe, muito longe ,
mas há tantos quadros tortos na parede
E ainda teimo endireitá-los
Até quando?
Mais um dia, um ano, a minha vida?
Ou até que a parede caia?

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Um pouco de Tom e Vinícius

Chegou, sorriu, venceu, depois chorou,
Então fui eu quem consolou sua tristeza
Na certeza de que o amor tem dessas fases más
E é bom para fazer as pazes, mas

Depois fui eu quem dela precisou
E ela então me socorreu, e o nosso amor
Mostrou que veio pra ficar
Mais uma vez, por toda a vida

Bom é mesmo amar em paz
Brigas nunca mais.

(Brigas nunca mais)

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Os girassóis

Para V.C.
Raquel estava ansiosa. Acordou cedo e ligou para Cristina. Confirmaram e combinaram horário e local. Unhas pintadas, cabelo hidratado, tudo estava de acordo com as exigências de sua vaidade. Chamava a mãe para lhe dar certeza de que o vestido azul não marcava o culote. "Você está linda, minha filha. Use-o com as sandálias brancas". Não, as sandálias brancas a deixariam muito alta. Iria de rasteirinha. Há muito tempo Raquel só se deslocava de casa para o trabalho e vice-versa. As amigas reclamavam sua presença nas festas, happy hours e viagens. Diante das recusas sem explicação, diziam, entre cochichos, que a amiga curtia uma dor-de-cotovelo. Algumas arriscavam o nome do gajo que deixara Raquel de coração partido. O Paulo, da seção de compras, ou aquele alto e magro, que agora andava aos beijos com a Cláudia. A verdade era que Raquel não passava por uma boa fase. Deixou até de freqüentar as aulas de alongamento, de que parecia gostar tanto. Sua casa era o seu refúgio contra os males do mundo. A voz doce da mãe, o sorriso grande do pai e os pêlos macios de Cecília, sua gatinha, lhe davam todo o alento de que precisava. E então, para que parassem as tagarelices e especulações, aos convites dos amigos passou a responder com a saúde fraca de seus parentes. Faria qualquer coisa para não sair de sua fortaleza. A avó tivera uma crise de rins, a prima recém-operada da vesícula esperava os seus chamegos, ou a irmã, muito gripada, talvez, precisasse de um chazinho. A mãe e o pai eram sagrados. Com eles não mexia. E também tinha o cuidado de nunca matar ninguém. Tinha medo de ser castigada. Eram tantos parentes vitimados por golpes de ar e infecções de intestino que, junto com as tagarelices e especulações, cessaram também os convites. Por um tempo Raquel sentiu-se aliviada. Poderia ficar com Ceci no colo, até que uma das duas adormecesse, ou comer caixas de chocolate, sem se preocupar com a última dieta de Saturno. Mais que isso: não precisaria conversar sobre os livros e filmes que não tinha ânimo de ler e assistir. O pai, por mais que lhe agradasse a companhia da filhota, enrugava a testa ao vê-la transitar de pijama, do quarto à sala de jantar, em domingos ensolarados. A mãe comprava o jornal e comentava, com disfarce, sobre shows e espetáculos na cidade. Raquel não se animava. Já lhe bastava toda aquela convivência na repartição, o telefone de campainha estridente e as vantagens contadas pelas colegas, entre risadas forçadas e garfadas no bandejão. Tudo seguia até que, naquela sexta-feira, ao bater o ponto e virar para pegar o copo descartável para um gole de café, viu, de relance, um arranjo vistoso sobre a sua mesa. Eram grandes girassóis enlaçados por uma fita vermelha. Sem entender, Raquel pegou o arranjo e procurou pelo cartão. Do lado de fora do envelope, o seu nome, com R bem caprichado. Do lado de dentro, apenas uma palavra, em tom de pedido, mas sem exclamação, nem assinatura: “desabroche”. Raquel perguntou pelo entregador, mas ninguém tinha visto nada. Quando Sandra chegou, às sete e quinze da manhã, as flores já estavam lá. Ela abrira o escritório. Pensou em guardá-las num vaso com água, mas receou que a vizinha de mesa se zangasse. Raquel trabalhou aquela manhã, suspirando para o arranjo que colocara no canto direito. Mais do que a necessidade de descobrir o autor daquele mimo, um possível admirador, tinha ânsia de cumprir a recomendação do cartão. Voltando do almoço, viu que o escritório estava em festa. Finalmente saíra a promoção do Júlio. Pediram bolo e salgados e garantiram que continuariam a comemoração com muito chopp gelado, na tarde seguinte. Raquel, arfante, perguntou com um fio de voz se seria bem vinda. Surpresos, acolheram-na com sincera satisfação. E assim, chegou ao vestido azul. A mãe lhe pedia a roupa para passar, as sandálias para limpar e lhe aconselhava não andar com muito dinheiro. Era melhor o cartão de débito. O pai, vendo a agitação que tomara conta da casa, desenrugou a testa. Vestida e perfumada, Raquel despediu-se com beijos. Ao fechar a porta, ouviu um barulho. Era Ceci, miando um miado fino e repetido, como se tivesse algo a dizer. Angustiada, Raquel pôs a gata no colo e acariciou seu pêlo branquinho. Examinou-a com cuidado, procurando algum machucado, alguma razão para aquela reclamação fora de hora. Tudo parecia bem, mas a gatinha continuava sua fala agitada. Raquel não acreditava. Justo naquele dia em que nenhum parente padecia, Ceci lhe implorava atenção?! Como deixar a sua fiel companheira desses meses de reclusão? Seria um mau presságio? Desnorteada, descalçou os pés e sentou na soleira. Já pensando na desculpa que daria na segunda-feira, vencida, espantou-se com o pulo de Ceci. Seus olhos mal alcançavam por cima do telhado, mas conseguiram se surpreender com o que viram. A gata não estava sozinha. Colocando de volta a sandália rasteira, sorria sozinha e dizia baixinho: “Desabroche, Ceci!”

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

20 anos sem Drummond

Sentimento do mundo

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desjeo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desafiando a ordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais que a noite.

(Carlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Felizes para sempre

“Enquanto eu não acho a pessoa certa, me divirto com as erradas”. Ela estava cansada disso. Não queria mais amores de empréstimo, paixões de uma noite, seduções sucessivas. Estava sozinha, desde que acabou um namoro antigo. Sozinha de uma forma relativa, já que havia os empréstimos, etc, etc. Sozinha de uma forma definitiva, já que há muito tempo não podia dizer “meu amor”. Ela queria alguém pra dividir o prato grande, que era obrigada a comer com gula, esforçando-se pra evitar ao máximo o desperdício. Mas as últimas insinuações de amor que teve foram mesmo insinuações. Alguns desencontros e muita vontade extraviada. Ela acreditava, queria, estava pronta. Sempre estivera. Adorava apaixonar-se. Uma vez, perdeu o fôlego de tanto querer um homem. Pelos beijos que trocavam e pela forma como ele a rodava nos braços, qualquer um diria que eles viveriam uma história de amor. E viveram. Uma história breve. Ela seguia. Decepção curtida, já estava disposta a mais uma aventura. As aventuras nem sempre eram entusiasmadas. Muitas vezes, eram apenas concebidas pra matar a fome do corpo. Algumas ainda lhe enchiam os olhos de encanto, mas passavam, findo um efeito inebriante qualquer. Perder o fôlego não é pra qualquer um. Nem por qualquer um. Todos lhe pediam um par, e quando ela explicava que, simplesmente, não acontecia, mostravam-se surpresos. De fato, apesar de sua íntima insegurança, ela também não entendia. E sabia que se fazia notar. Elogiavam o seu sorriso, o seu charme, a sua alegria. Dançando, era uma graça. Outro dia, numa roda embalada por sambas nostálgicos, ela foi com uma flor nos cabelos. Era leve e, a cada novo copo de cerveja, se embriagava de felicidade. Além da elegância marota, tinha outros atributos. A simpatia que estampava nos olhos vinha do fundo de sua alma. Era uma simpatia pela vida, pelas possibilidades e por todos que passavam por ela. Conversava com certa timidez, mas acolhia com gosto convicções e diferenças. Era uma mulher com jeito de menina. E desejos de mulher. Desejos que, nos momentos de intimidade, não subestimava. Não havia nada de errado com ela. Já tinha ouvido isso incontáveis vezes: das amigas, daqueles que a deixaram e de si mesma, como um mantra. Mas, naquele dia, pensando na vulgaridade sentimental em que se consolava, nas pessoas erradas que não ficavam e na certa que não vinha, resolveu que estava cansada. E, então, decidiu que não iria mais se entregar a satisfações fugazes. Faria alguma coisa. Como se jamais houvesse acreditado em destino, como se tudo dependesse exclusivamente de sua vontade, entendeu que chegara a hora. Foi para o banho e, enquanto a água muito quente caía sobre o seu corpo delgado, pensava na roupa ... a roupa com que encontraria o seu grande amor. Enxugando-se com a toalha velha e macia, agia como em um ritual. Pôs pra tocar uma música do Chico, uma que dizia “por favor não evites, meu amor, meus convites, minha dor, meus apelos”. Penteou os cabelos molhados e abriu a janela, para que o vento os secasse. Antes de vestir a roupa, sorriu nua para o espelho, admirando aquilo de que o seu grande amor desfrutaria. Pegou uma taça de vinho, pois não podia partir para evento tão importante, sem uma inspiração divina.Vestiu uma saia de rendas e uma blusa de alças. O colo continuaria nu, aliás, justamente o colo que ela vivia escondendo. Não se perfumou, pois queria que o seu grande amor conhecesse o seu cheiro de verdade. O seu cheiro de menina-mulher. Também não pintou os lábios, nem os olhos. Os cabelos não foram presos. Ficariam revoltos, desalinhados, exatamente como ele, o seu grande amor, os encontraria no momento já quase exaustivo do gozo e na manhã de cada dia. Pegou o livro do Drummond e saiu em direção ao parque. Teria escolhido a praia, se houvesse uma perto. Sentou-se na grama, sentiu o calorzinho gostoso do sol, abriu o livro e, sem qualquer ansiedade, esperou. Dizem que o encontro foi esplêndido. Chegando, ele a reconheceu logo. E, naquele dia mesmo, eles dançaram muitos sambas antigos. Tomaram um litro inteiro de cachaça mineira e, depois de um curto e profundo sono, se amaram a noite toda. O livro do poeta ficou esquecido na grama. Foram felizes para sempre.

Na aldeia

Na aldeia, na aldeia
Quero veu o seu vestido arrastando-se na areia

Morena, meu doce encanto, pra matar minha saudade
Quero te ver bem distante do boliço da cidade
Quero te ver como dantes alegrando nossa aldeia
Com seu vestido de renda arrastando-se na areia

Na aldeia, na aldeia
Quero veu o seu vestido arrastando-se na areia

Quero te ver bem faceira na porta da capelinha
Escrevendo o nosso nome com a ponta da sombrinha
Quero que a vida nos seja de venturas sempre cheia
Com teu vestido de renda arrastando-se na areia

(Silvio Caldas)

Pêssego

Proust
Só de ouvir a voz de Albertine
entrava em orgasmo.
Se diz que:
O olhar de voyeur
tem condições de phalo
(possui o que vê).
Mas é pelo tato
Que a fonte do amor se abre.
Apalpar desabrocha o talo.
O tato é mais que o ver
É mais que o ouvir
É mais que o cheirar.
É pelo beijo que o amor se edifica.
É no calor da boca
Que o alarme da carne grita.
E se abre docemente
Como um pêssego de Deus.

(Manoel de Barros)

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

O fim da espera

Até ontem eu te esperei. Com a certeza de que te esperaria por intermináveis dias de chuva. Não chegava a ser uma agonia. Apenas um desejo distraído e relembrado, em momentos de menor profusão.
Hoje, não sei bem por que razão, tinha um sol enorme brilhando na janela. Mecanicamente levantei e fui fazer o de sempre. Também mecanicamente me lembrei de você. Ou melhor, me lembrei de lembrar de você.
Você podia ter vindo. Eu estava à sua espera. Com o sorriso de sempre. O sorriso que eu sempre tinha pra você. Às vezes, eu até o guardava, só pra que não estivesse desgastado, no momento da sua chegada. Teria te oferecido, ainda, os olhos de que você gostava. Olhos dispostos a te querer incondicionalmente. Irracionalmente, como todo querer que se preze.
Você não veio. E saber disso, talvez seja maior que toda a minha espera. Vã. Não queria entender. Você falou das minhas mãos, dos meus olhos, do meu sorriso. E depois, não os quis pra você. Não mais. Palavras. Vãs. Você até quis se desculpar, alegando sua insensibilidade. Eu disse pra não se importar. Comigo me importo eu. E fico com a minha espera. Vã. O que eu quero dizer é que não tenho mais a certeza de esperar-te. Não sei se foi o sol, me despertando logo cedo. Arrancando-me da cama para mais um dia e para a obviedade das coisas. Uma obviedade estridente, que desarranjou os meus argumentos. Os mesmos argumentos de que eu precisava para sustentar essa espera. Não posso mais. O que não se sustenta, em pouco tempo deixa de existir. Esperei-te até ontem. Hoje, lembrei-me de lembrar que até os dias de chuva têm sua beleza.

Prisão de sonhos

Eu queria fazer poesia. Não como fazem os grandes. Ficaria contente com versos simples em pífios quartetos. Eu bem que tentei. Mas as minhas palavras só sabem correr com seus inúmeros complementos. Não conseguem fugir deles. Estranhas palavras pedintes. Será que elas foram contaminadas? Assim como as minhas mãos, os meus ombros e todo o meu arredor? Tudo pede uma extensão. E agora, minhas palavras... Rebelam-se inconformadas. Confusas por não terem um destino certo. Um destinatário de carne, osso e barba. Elas também querem ter para quem correr, quem acalentar, contemplar. Vácuo? Não. Não há lacunas, espaços vazios. Tudo está repleto. Transbordamento. Palavras e vontades atropelando-se, correndo desajustadas, desnorteadas, ávidas por impedir o desperdício. De sonhos, de desejos, de vida. O que fazer com tudo isso? Colocar dentro de uma caixa de correio? Enviar por email? Mas como, se não há o principal? Nenhum nome e sobrenome conhecidos. Nenhum nome de rua anotado num pedaço de papel. Eu não precisaria de emissário. Entregaria em mãos. Com as minhas próprias. Ou então, poderia me desfazer disso tudo. Como o faz o colecionador enfadado de seus objetos. Mas não são objetos, coisas exatas, com textura, cheiro e cor. Assim como as minhas palavras não cabem numa poesia, meus sonhos não se encaixam, não se enquadram, não se repartem entre aqueles dispostos a arcar com a nostalgia de um fim de coleção. Não há o que fazer. Só preciso achar um modo de retê-los. Detê-los. Contê-los. Antes que saiam ensandecidos. Antes que se percam. E não voltem.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Ah, quantas lágrimas eu tenho derramado ...

Tomei vacina. Doeu e eu chorei
A cadeira caiu no meu pé. Doeu e eu chorei.
Andei me sentindo sozinha. Doeu e eu chorei.

P.S. Com tanta lágrima, pra quê pudores?

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Contando as sílabas

Caro Marcos Olavo,

Não se esqueça: nome de criança tem que ter métrica boa!

Felicidades!

Por hoje, é isso ...

Deixe-me ir, preciso andar
Vou por aí a procurar
Sorrir pra não chorar
Deixe-me ir, preciso andar
Vou por aí a procurar
Sorrir pra não chorar

Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer, quero viver
Deixe-me ir, preciso andar
Vou por aí a procurar
Sorrir pra não chorar

Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que eu me encontrar

(Candeia)

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Para a Van, com saudades ...

Van!!!

Wenn Sie hier kommen, wird er/sie wissen, dass ich mich von Ihnen erinnerte. Sogar mit dieser schrecklichen Übersetzung von Babylon. Ich liebe Sie, wollte!

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

O choro

Quando eu era criança e queria provar pro meu avô o quanto tinha doído o castigo dado pela minha mãe, normalmente umas chineladas na bunda, eu dizia que me havia feito chorar “de lágrima”. Chorar de lágrima era uma conseqüência fortíssima de um ato de crueldade irrefutável. Parece que, quando se é criança, é muito fácil chorar de lágrima. Espernear, berrar a plenos pulmões e deixar toda a água do mundo escorrer canais lacrimais afora. Sempre vejo a criançada se escangalhando de tanto chorar. Depois que a gente cresce, aprende a chorar a seco, e só furtivamente se permite transbordar. Outra coisa curiosa é que criança quase sempre chora de tristeza e ri de alegria. Que simples ser criança! Mais tarde se aprende a rir pra não chorar, ou pra disfarçar o desespero. E também choramos a seco, engolindo soluços e decepções goela abaixo. Aprendemos a reprimir a dor e a conviver com ela. E a modernidade nos diz que não há mais espaço para donzelas românticas, “manteigas-derretidas” e “marias-choronas”. E homem, macho de verdade, nunca foi de chorar.
Esses dias, no metrô, uma mulher chorava de lágrima, exatamente como eu fazia quando criança. A diferença é que ela não tinha sido castigada. Ao menos, não com palmadas ardidas. Feição aflita, cabeça baixa e lágrimas que, ainda que ela tentasse conter, teimosas, saltavam, dançavam pelo seu rosto. Tinham tanto volume que escorriam e respingavam sobre a sua blusa. E, de repente, aquela desconhecida se tornou tão próxima, tão familiar. Sem alternativa e esconderijo, ela se entregava à tristeza. Senti um desconforto, uma impotência. Quais seriam suas razões, o que havia por trás daquela face pungida? A mulher parecia envergonhada, mas, ao mesmo tempo, sem nenhuma chance contra o próprio pranto. A cena repelia tanto os simples curiosos, como os verdadeiros samaritanos. Igualmente desconcertada, saí do vagão tentando desviar o olhar. Mas aquelas lágrimas, cujas motivações eu desconhecia, me impregnaram. Voltei a lembrar do meu choro de criança – molhado, intenso e sem pudores – e também dos meus choros de mulher, quase sempre em privacidade e acompanhados de um fofo travesseiro. Meus olhos marejaram, instintivamente. Enxuguei-os e contive a emoção. Afinal, deter as lágrimas, secas ou molhadas, é a árdua tarefa de todos, todos os dias.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

A tampa

Segundo a Joyce, eu sou uma panela de Inox, pô! Por isso tá tão difícil ... Ah, bom! Até que enfim alguém me explicou. Ufa!

E quando eu te encontrar, meu grande amor
Me reconheça

P.S.: eu não vou esperar até 2057, hein?!

Um sonho de simplicidade

Crônica deliciosa do Rubem Braga

Então, de repente, no meio dessa desarrumação feroz da vida urbana, dá na gente um sonho de simplicidade. Será um sonho vão? Detenho-me um instante, entre duas providências a tomar, para me fazer essa pergunta. Por que fumar tantos cigarros? Eles não me dão prazer algum; apenas me fazem falta. São uma necessidade que inventei. Por que beber uísque, por que procurar a voz de mulher na penumbra ou os amigos no bar para dizer coisas vãs, brilhar um pouco, saber intrigas?
Uma vez, entrando numa loja para comprar uma gravata, tive de repente um ataque de pudor me surpreendendo assim, a escolher um pano colorido para amarrar ao pescoço.
A vida bem poderia ser mais simples. Precisamos de uma casa, comida, uma simples mulher, que mais? Que se possa andar limpo e não ter fome, nem sede, nem frio. Para que beber tanta coisa gelada? Antes eu tomava a água fresca da talha, e a água era boa. E quando precisava de um pouco de evasão, meu trago de cachaça.
Que restaurante ou boate me deu o prazer que tive na choupana daquele velho caboclo do Acre? A gente tinha ido pescar no rio, de noite. Puxamos a rede afundando os pés na lama, na noite escura, e isso era bom. Quando ficamos bem cansados, meio molhados, com frio, subimos a barranca, no meio do mato, e chegamos à choça de um velho seringueiro. Ele acendeu um fogo, esquentamos um pouco junto do fogo, depois me deitei numa grande rede branca — foi um carinho ao longo de todos os músculos cansados. E então ele me deu um pedaço de peixe moqueado e meia caneca de cachaça. Que prazer em comer aquele peixe, que calor bom em tomar aquela cachaça e ficar algum tempo a conversar, entre grilos e votes distantes de animais noturnos.
Seria possível deixar essa eterna inquietação das madrugadas urbanas, inaugurar de repente uma vida de acordar bem cedo? Outro dia vi uma linda mulher, e senti um entusiasmo grande, uma vontade de conhecer mais aquela bela estrangeira: conversamos muito, essa primeira conversa longa em que a gente vai jogando um baralho meio marcado, e anda devagar, como a patrulha que faz um reconhecimento. Mas por que, para que, essa eterna curiosidade, essa fome de outros corpos e outras almas?
Mas para instaurar uma vida mais simples e sábia, então seria preciso ganhar a vida de outro jeito, não assim, nesse comércio de pequenas pilhas de palavras, esse ofício absurdo e vão de dizer coisas, dizer coisas... Seria preciso fazer algo de sólido e de singelo: tirar areia do rio, cortar lenha, lavrar a terra, algo de útil e concreto, que me fatigasse o corpo, mas deixasse a alma sossegada e limpa.
Todo mundo, com certeza, tem de repente um sonho assim. E apenas um instante. O telefone toca. Um momento! Tiramos um lápis do bolso para tomar nota de um nome, um número... Para que tomar nota? Não precisamos tomar nota de nada, precisamos apenas viver — sem nome, nem número, fortes, doces, distraídos, bons, como os bois, as mangueiras e o ribeirão.